Descrição de chapéu Obituário Julian Gartner (1924 - 2018)

Mortes: Sobrevivente do Holocausto olhava sempre para frente

Judeu, Julian Gartner foi libertado ao final da guerra e veio ao Brasil recomeçar a vida

Paulo Gomes
São Paulo

A história de Julio Gartner é tão incrível que remete ao significado literal da palavra —algo em que não se pode acreditar. Nascido Julian na Polônia, vivia na Cracóvia quando esta foi invadida pelos nazistas em 1939. Julian era judeu.

Adolescente, fugiu, foi acolhido por uma família católica do interior e vivia escondido de dia, no estábulo. À noite podia sair, e fazia trabalhos braçais para o dono da fazenda como pagamento pelo asilo. 

De volta à Cracóvia, caiu em poder dos nazistas. Foi levado a cinco campos de concentração. Como pode-se deduzir, sofreu as humilhações, o trabalho forçado e a desnutrição destinados aos prisioneiros.

Libertado pelos norte-americanos ao final da guerra, passou por um período de reestabelecimento na Itália e veio ao Brasil recomeçar a vida.

Na nova terra, trabalhou, casou, constituiu família. Mas guardou consigo as lembranças daqueles seis anos sombrios, que não gostava de comentar. Preferiu criar os filhos sem detalhes do que sofreu.

Até que, há cerca de dez anos, um neto se interessou. E, ao revisitar seus anos na Europa, viu uma oportunidade de não deixar sua história se esquecer. É importante passar adiante, afinal, para que não aconteça novamente.

Conheceu o cineasta Marcio Pitliuk e, estimulado, passou a dar palestras sobre o período em escolas do país. Não cobrava. “Não posso ganhar um centavo com o Holocausto”, dizia, segundo o filho Paulo.

Com Marcio, refez sua trajetória, em visita aos locais dos acontecimentos. A viagem deu origem ao documentário “Sobrevivi ao Holocausto”, de 2014, que conta sua história.

Seria plausível que, aos 94, um homem desses vivesse amargurado pelos traumas, com saúde frágil, pouca lucidez, esperando a sua hora.

Mas Julio era algo difícil de crer. No último dia 10, jogou a terceira das suas partidas semanais de tênis. Era uma pessoa positiva. “A gente sempre tem que olhar para frente, porque pode ter coisa boa”, dizia.

Se alguém o incomodasse, respondia com a pergunta “você já teve 94 anos?”. Era o álibi contra críticas, mas vale também como uma ode à sua —incrível— vitalidade.

Morreu no último dia 11, após uma parada cardiorrespiratória. Deixa os filhos Paulo e Sandra, quatro netos e um bisneto.


coluna.obituario@grupofolha.com.br

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