Contrários à liberação da posse de arma no país voltam a crescer e atingem 61%

Segundo pesquisa Datafolha, 68% também são contra facilitar o acesso das pessoas a armamentos

Militares preparam armas para serem destruídas no Rio de Janeiro 
Militares preparam armas para serem destruídas no Rio de Janeiro  - Bruno Kelly-20.jun.18/Reuters
Marina Estarque
São Paulo

O total de brasileiros que se declaram contrários à liberação da posse de armas de fogo aumentou desde outubro, segundo a mais recente pesquisa Datafolha.

Em dezembro, 61% dos entrevistados disseram que a posse deve “ser proibida, pois representa ameaça à vida de outras pessoas”. No levantamento anterior, de outubro, 55% concordavam com essa posição.

No mesmo período, a parcela de pessoas que considera a posse de armas “um direito do cidadão para se defender” oscilou negativamente, passou de 41% para 37%, ou seja, no limite da margem de erro da pesquisa, que é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos. Outros 2% não souberam responder.

Foram entrevistadas 2.077 pessoas em 130 municípios em todas as regiões do país, nos dias 18 e 19 de dezembro.

Durante o período eleitoral, o agora presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), falou em revogar o Estatuto do Desarmamento. Agora, neste sábado (29), afirmou que pretende assinar um decreto para permitir a posse de arma a todas as pessoas sem ficha criminal, além de tornar o registro definitivo, sem a necessidade de renovações, como hoje.

Entre os que declararam ter votado em Bolsonaro na última eleição, o direito de possuir uma arma é defendido por 53%. Quando questionados sobre a necessidade de facilitar o acesso a armas, contudo, 59% se disseram contrários.

O que vem sendo discutido internamente pelos membros do novo governo é fazer um decreto que altere aquele que regulamentou o Estatuto do Desarmamento em 2004. É uma forma de não precisar mexer na lei e retirar regras que possam dificultar o acesso das pessoas às armas.

Segundo o Datafolha, o percentual de pessoas contrárias à posse de armas já foi de 68% em 2013. Hoje é de 61%.

As mulheres tendem a ver a liberação das armas de forma mais negativa: 71% delas são contrárias à posse, enquanto apenas 51% dos homens têm a mesma opinião. 

O índice também varia de acordo com ensino e renda. Quanto mais anos de estudo, maior o apoio à liberação. Entre os entrevistados com ensino superior, 41% defendem que ter armas é um direito, a taxa cai para 34% entre pessoas com ensino fundamental.

Da mesma forma, quanto mais rica a pessoa, mais favorável ela é à liberação. Entre os entrevistados com renda familiar mensal de até 2 salários mínimos, 32% defendem a posse de armas. Já entre pessoas que ganham mais de 10 salários mínimos, esse percentual sobe para 54%. O Sul é a região mais favorável às armas do país, com 47%, enquanto o Nordeste é a que menos apoia a liberação, com 32%. 

Quando indagados se é preciso facilitar o acesso às armas, apenas 30% dos brasileiros respondem que sim. Entre eles, 16% concordam totalmente —14% concordam parcialmente. Entre os contrários, que somam 68%, a posição é mais enfática: 51% discordam totalmente e 17% discordam em parte. 

Segundo o Estatuto do Desarmamento, para obter a posse de arma é preciso ser maior de 25 anos, ter ocupação lícita e residência certa, não ter sido condenado ou responder a inquérito ou processo criminal, comprovar capacidade técnica e psicológica e declarar a efetiva necessidade da arma. Já o porte é proibido, exceto para forças de segurança e guardas, entre outros.

A lei federal, aprovada em 2003, regulou o acesso a armas e restringiu o porte e a posse em todo o país. O estatuto, entretanto, tem sido afrouxado por decretos nos últimos anos e corre o risco de ser desmantelado em 2019.

Em 2016, um decreto presidencial ampliou a validade do registro de armas de três para cinco anos. Portaria do Exército de 2017 teve efeito similar: permite que atiradores desportivos levem suas armas, carregadas, até o local de tiro.

Para revogar o Estatuto do Desarmamento, como pretende Bolsonaro, é preciso aprovar uma nova lei no Congresso. O projeto mais avançado é o do deputado Rogério Peninha (MDB-SC), de 2012, que está pronto para votação.

Em novembro, ele publicou em rede social que a proposta ficaria para 2019. “Acabo de receber ligação do presidente Jair Bolsonaro. Ele concordou em deixarmos para o ano que vem a votação do projeto.”

Peninha avalia que a nova composição da Câmara, mais conservadora, vai significar mais apoio para a proposta. Para virar lei, o projeto precisa ser aprovado por maioria simples na Câmara e, se não for alterado no Senado, segue para sanção presidencial.

Entre as mudanças, o projeto reduz a idade mínima da posse de 25 para 21 anos e permite que pessoas respondendo a inquérito ou processo criminal comprem armas, contanto que não tenham sido condenadas por crime doloso.

O projeto também retira a obrigatoriedade de apresentar uma efetiva necessidade para ter uma arma, ponto avaliado hoje pela PF. O porte seria liberado para maiores de 25 anos que cumprirem os requisitos para a posse.

Segundo dados do Exército obtidos via Lei de Acesso à Informação pelo Instituto Sou da Paz, cerca de seis armas são vendidas por hora no mercado civil nacional. Até agosto, 34.731 foram comercializadas. Ao todo, há quase 620 mil armas nas mãos de civis. 

O ataque mais recente a tiros com repercussão nacional ocorreu em 11 de dezembro em uma igreja de Campinas (SP). O atirador, Euler Fernando Grandolpho, 49, matou cinco pessoas e deixou três feridos. Ele portava uma pistola 9 mm e um revólver calibre 38 —as armas tinham as numerações raspadas. 


Entenda as regras sobre armas no país

É possível ter a posse de uma arma no Brasil? 

Sim, mas é preciso ser maior de 25 anos, ter ocupação lícita e residência certa, não ter sido condenado ou responder a inquérito ou processo criminal, comprovar a capacidade técnica e psicológica para o uso do equipamento e declarar a efetiva necessidade da arma

E o porte? 

O porte, ou seja, a autorização para carregar e transportar a arma, é proibido, exceto para membros das Forças Armadas, policiais, guardas, agentes penitenciários e empresas de segurança privada, entre outros

O comércio de armas é permitido? 

Sim. A proibição foi derrotada em 2005, quando 63,9% dos eleitores votaram pela continuidade do comércio legal de armamentos

O presidente pode revogar o Estatuto do Desarmamento? 

Não. O estatuto é uma lei federal e mudanças precisam ser aprovadas no Congresso

Há projetos para mudar o estatuto no Congresso?

Sim, há mais de 160 propostas para alterar a lei. A mais avançada, que está pronta para ser votada na Câmara, reduz a idade mínima para a posse de 25 para 21 anos e permite o acesso para pessoas que respondem a inquérito ou processo criminal, contanto que não tenham sido condenadas por crime doloso. Não seria mais preciso declarar a efetiva necessidade de ter uma arma. O porte seria liberado para maiores de 25 anos que cumprirem os requisitos para posse. Para se tornar lei, o projeto precisa ser aprovado por maioria simples na Câmara e no Senado e passar por sanção presidencial

O que um presidente pode mudar sem depender do Congresso? 

É possível alterar a regulamentação do estatuto, ampliando o acesso a certos tipos de armas e munições. Fuzis, hoje de uso exclusivo das forças de segurança, poderiam ser vendidos no comércio formal. Defensores da liberação das armas dizem que seria possível flexibilizar a posse, já que a lei determina que o cidadão precisa “declarar a efetiva necessidade” da arma, mas a exigência de comprovação foi regulamentada por decreto. A três dias de tomar posse como presidente, Jair Bolsonaro (PSL) afirmou que pretende assinar um decreto para garantir a posse de arma de fogo a todas as pessoas sem ficha criminal. Essa possibilidade de flexibilização, porém, não é consensual. Alguns especialistas dizem que isso seria legislar por decreto e passível de ser questionado juridicamente

Como é a regulação de armas em outros países? 

Nos EUA, em boa parte dos estados, para comprar uma arma em loja (há mais de 50 mil no país) basta passar por uma checagem rápida de antecedentes criminais. Se a compra for feita com um vendedor particular, isso não é necessário. No Japão, o processo envolve aulas, testes práticos e escritos e avaliação rigorosa do histórico criminal, saúde mental e relações pessoais. Na Austrália, as armas só são liberadas em casos excepcionais, e os policiais podem exigir entrevistas com parentes e vizinhos. No México, o cidadão precisa comprovar que não tem antecedentes criminais e que está empregado. Há apenas uma loja de armas em todo o país

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