Em diário, atirador de Campinas cita perseguição e massacre de Realengo

Anotações apreendidas apontam que ele escreveu ainda sobre suposta vigilância em sua casa

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Alfredo Henrique Guilherme Mazieiro
Campinas | Agora e UOL

Anotações em forma de diário apreendidas na casa de Euler Fernando Grandolpho, 49, atirador que deixou cinco mortos e três feridos na catedral de Campinas (SP), apontam que ele se sentia perseguido e fazem possíveis referências a massacres no Ceará e em Realengo (RJ).

A Polícia Civil tentará com esse material identificar as motivações dele para abrir fogo contra fiéis no final de uma missa na igreja no começo da tarde de terça (11). O atirador se matou depois do ataque.

Após a morte de quatro homens no dia do crime, Heleno Severo Alves, 84, não resistiu aos ferimentos e morreu no hospital nesta quarta (12).

Entre os objetos apreendidos no quarto do atirador, que morava com seu pai em um condomínio de Valinhos (SP), estão também um tablet, dois computadores, dois gravadores, uma câmera fotográfica e um celular.

"Passei com o meu cão em frente uma construção ao lado de uma casa q. os moradores tem uma veterinária e uma delas gritou com 'as paredes': 'e aí Ceará', sobre o massacre ocorrido dias atrás. Ok. Hj, 31/01/18 passei por lá e falei alto com o celular desligado na orelha E AÍ REALENGO [sic]", escreveu Euler.

A referência provável é à chacina de 27 de janeiro deste ano em uma casa de shows de Fortaleza, onde 14 pessoas foram assassinadas. O crime teria sido fruto da disputa por territórios de tráfico de drogas entre o PCC (Primeiro Comando da Capital), o CV (Comando Vermelho) e o GDE (Guardiões do Estado).

Já a menção a Realengo é uma possível referência ao massacre de Realengo, quando 12 crianças foram mortas e outras 11 ficaram feridas na Escola Municipal Tasso da Silveira, na zona oeste do Rio, em 2011. O atirador era o ex-aluno Wellington Menezes de Oliveira, que invadiu duas salas de aula atirando com dois revólveres.

Em outro trecho, Euler escreve: "170 km/h foi condenado a 9,5 anos, qual será a pena p/ os viados q estão "ouvindo minha casa", me perseguindo etc, etc, etc... há + de 10 anos? Uma viagem pelo mediterrâneo com direito a acompanhante com tudo pago?????"

O atirador também faz menção a crimes cometidos, segundo ele, "com naturalidade". "Agora estão em pânico, espalham pela cidade o que estão prestes a acontecer, etc, meu Deus!", diz trecho do diário.

O conteúdo dos equipamentos eletrônicos apreendidos na casa de Euler está sendo analisado pela polícia.

"Os materiais podem ajudar a responder a única pergunta que falta ser respondida, que é por quê o atirador fez o que fez?", afirmou o delegado Hamilton Carriolla Filho, do 1º DP de Campinas.

Outro ponto que será priorizado pela polícia é tentar identificar a origem das duas armas que estavam com Euler, ambas com numerações raspadas --uma pistola CZ75S, de fabricação checa, e um revólver calibre 38, que não foi usado contra as vítimas.

"Vamos tentar recuperar a numeração das armas para verificar se foram roubadas de algum colecionador, atirador esportivo, ou ainda se são produto de contrabando", afirmou o delegado.

Ele acrescentou que foi identificado o número de lote da munição usada contra as vítimas, de calibre 9 milímetros. "Infelizmente as munições são antigas e não poderemos rastear de onde vieram."

Segundo a polícia, Euler era uma pessoa reclusa, que não tinha condições financeiras para comprar as armas.

"Era uma pessoa introvertida, ninguém sabia o que ele pensava, nem a família", disse o delegado titular do Deinter 2, José Henrique Ventura.

Segundo a polícia, Euler tinha o hábito de ligar para o telefone 190, da PM, para reclamar de vizinhos. Chegou a registrar um boletim de ocorrência em 2012 contra uma pessoa que teria jogado uma garrafa pet contra ele.

Uma ex-namorada contou à Folha que, na juventude, Euler criticava a atuação do pai dele na Igreja Católica.​

VÍTIMAS

Nesta quarta-feira (12),  morreu o idoso de 84 anos que estava internado em estado grave após ser alvejado no ataque na catedral de Campinas. O estado de saúde de Heleno Severo Alves era apontado como grave. Ele havia passado por cirurgia na terça-feira.   

Também atingidos pelo atirador, José Eudes Gonzaga Ferreira, 68, Elpidio Alves Coutinho, 67, Sidnei Vitor Monteiro, 39, e Cristofer Gonçalves dos Santos, 38, não resistiram aos ferimentos e morreram no local. Outras três pessoas, além do idoso que morreu nesta quarta, foram baleadas e socorridas pelos bombeiros e pelos médicos do Samu.

Silvio Antônio Monteiro, 47, deixou a mãe Jandira Prado Monteiro, 62, dona de casa, no ponto de ônibus e ela seguiu para o centro de Campinas onde se encontraria com o filho Sidnei para irem ao dentista juntos. Ambos combinaram de se encontrar na catedral.  Mãe e filho moravam em Hortolândia. 

"Eu não consigo acreditar no que aconteceu. Hoje é meu aniversário e olhem o presente que ganhei", disse. Ela precisou operar a mão e a clavícula, e nesta quarta, de ambulância, acompanhou o enterro do filho.

Sidnei era eletricista na Unicamp, casado e tinha uma enteada. Era o caçula de três filhos de Jandira e  Milton Candido Monteiro, 71, que também trabalha na Unicamp. ​​

Silvio estava no trabalho quando, por volta das 14h30, recebeu ligações do hospital contando que a mãe e o irmão haviam sido atingidos. "Era o caçula querido. E uma mulher que só sai para ir à Igreja e ao dentista acontecer uma coisa dessas? Meu Deus", diz.

José Eudes Gonzaga Ferreira, 68, estava na missa com a mulher, Maria de Fátima. Ela tomou um tiro na coxa e passa bem. Ele morreu na hora. "Eles são muito devotos, vivem na missa", afirma o filho, Douglas Ferreira, 38.

A família foi ao IML do cemitério dos Amarais para reconhecer o corpo, mas deixou o local ao serem avisados pela polícia de que o procedimento não era necessário.

O mesmo ocorreu com um filho e sobrinhos de Eupidio Coutinho, 67.

A empregada doméstica Edna Rodrigues, 58, soube do atentado quando viu a notícia na TV, no trabalho. "Fiquei apavorada. Minha irmã não sai da igreja", disse ela, sobre a irmã, Lourdes, 78. Recebeu ligações da família dizendo que a irmã estaria morta e correu para o IML do cemitério dos Amarais. "Eu vim para cá, outro foi para outro cemitério, outro foi para o hospital. Ficamos desesperados", conta.

No IML, soube que a irmã estava no hospital, em bom estado de saúde, que havia sido atingida de raspão e não precisaria ser operada.

"Graças a Deus, que alívio. Mas não vou sair daqui. Quero ver a cara dele [atirador]. O que ele fez não se faz." ​

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