Monotrilho de SP acumula falhas e mantém operador até em 'trens autônomos'

Trecho da linha 15-prata, na zona leste, teve estações inaugurada às pressas por Alckmin

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São Paulo

Um operador de trens apressa o passo dentro do monotrilho da linha 15-prata do Metrô, na zona leste de São Paulo, abre o pequeno painel de controle e faz ajustes, na manhã da sexta-feira (7). Quando questionado se houve alguma falha, não responde.

Para a gestão Márcio França (PSB), a fase de testes acabou ali no dia 1º de dezembro, após oito meses. A linha teve um aumento de dez vezes no número de passageiros, mas ainda enfrenta uma série de improvisos e restrições.

A passagem começou a ser cobrada, e o horário de operação foi ampliado (agora das 6h às 20h). O metrô paulista, porém, opera diariamente das 5h à meia-noite.

No monotrilho, os usuários passaram de cerca de 3.000 por dia, em novembro, para 30 mil, no início de dezembro. O trajeto, no entanto, segue com velocidade reduzida, de 50 km/h, em um modelo de monotrilho que pode circular a 80 km/h. O intervalo médio entre um trem e outro ainda é alto: de 4 a 6 minutos, uma eternidade perto do 1 minuto no horário de pico nas demais linhas.

Sem cabine, as composições desse monotrilho têm sistema programado para dispensar a presença dos controladores e ser totalmente automatizado. Todas as cinco viagens feitas pela Folha, porém, tinham um profissional bem próximo da caixa de comando —em três delas, controlando os botões. 

Numa das estações, a sala de primeiros socorros é usada como copa para os funcionários, com um micro-ondas apoiado numa cadeira. Em outra, um banheiro serve de vestiário —roupas e bolsas se espalham pelo chão.

O monotrilho da linha 15-prata é um exemplo de seguidas falhas de gestão. Apresentado como uma solução rápida e barata para ligar a Vila Prudente até a Cidade Tiradentes, virou uma obra demorada e cada vez mais cara.

A promessa de entrega da obra já mudou algumas vezes. Inicialmente, antes mesmo do atual edital, falou-se em 2012. A seguir, o prazo foi lançado para o final de 2015. A obra foi desmembrada, e a primeira etapa não tem nem prazo para ser concluída.

Uma das falhas mais graves foi no projeto. De repente, no meio da obra, engenheiros "descobriram" galerias de águas de um córrego embaixo da avenida paralela ao monotrilho. O governo fez um novo projeto e mudou o córrego de lugar.

Incômodo

Quem faz a viagem diariamente sente outro incômodo: os trens “tremem pra caramba”, diz o auxiliar administrativo Cláudio de Souza Oliveira, 57. Ele brinca: “Se uma mulher estiver amamentando, o bebê vai tomar uma coalhada”.

Desde 2015, quando foi inaugurado, o trajeto do monotrilho era só um bate e volta de duas estações: Vila Prudente e Oratório. Mas, em abril, outras quatro estações foram inauguradas às pressas, num dos últimos compromissos de Geraldo Alckmin (PSDB) como governador, antes de se candidatar à Presidência. Ele estreiou as então inacabadas estações São Lucas, Camilo Haddad, Vila Tolstói e Vila União.

Cláudio mora em São Lucas, mas prefere pegar um ônibus até o Oratório, última parada da linha 15-prata antes de chegar à linha 2-verde, onde ele segue viagem. Isso porque o monotrilho “demora, é lento. Tem dia que embaça, já chegou a ficar parado dez minutos numa estação”, conta.

A maquiadora Pauline Borba Aguiar, 30, diz que às vezes o sistema até para de vez. Aí qual o plano B? “A gente sai e pega um ônibus”, conta. 

O que facilitou é que o monotrilho não para em semáforo, afirma a funcionária pública Rita Alves, 40. Só que “ontem ficou parado numa estação mais de oito minutos”.

Da zona leste até o trabalho, na avenida Paulista, ela demorava uma hora de ônibus, agora usando o metrô “reduziu uns dez minutos”. Na volta, porém, a linha não é uma opção —Rita sai do centro da cidade depois das 20h, quando a operação já encerrou.

Essa é também a rotina da gerente financeira Luciene Carvalho, 40. Quando trabalhava às 6h30, ela não pegava o monotrilho, que à época abria mais tarde. Agora que o horário deu uma esticada de manhã, ela passou a sair do trabalho depois de 20h. “Ontem voltei às 23h. Aí tem que ser de ônibus, né?” 

De onde mora, no Jardim Sapopemba, até Perdizes ela gasta 1h20 geralmente. É que Luciene ainda precisa pegar um ônibus para chegar ao monotrilho. Sua casa é ao lado da Fazenda da Juta, uma das estações da linha 15-prata que ainda não foram inauguradas.

Além da Juta, Jardim Planalto, Sapopemba e São Mateus estão sem previsão de serem abertas. Isso porque o Metrô decidiu rescindir o contrato com a empresa Azevedo & Travassos, responsável pela finalização das obras e que diz enfrentar graves problemas financeiros.

A rescisão ainda está em andamento, e, para terminar o paisagismo, a ciclovia e as estações, haverá uma nova licitação —há um ano, o Metrô estimava que o monotrilho chegaria a São Mateus em junho. O outro trecho, até o bairro de Cidade Tiradentes, está com a construção suspensa. 

O orçamento também deve ultrapassar o previsto. Em 2013, o governo estadual prometeu gastar R$ 5,4 bilhões (R$ 7,4 em valores atualizados) para fazer a linha completa de Vila Prudente a Cidade Tiradentes. Hoje, o Metrô informa ter gasto R$ 4,5 bilhões para chegar só até Vila União, faltando ainda 11 estações até Cidade Tiradentes.

Obra sem fim

Previstas inicialmente para 2012, as estações já inauguradas não tinham condições plenas de funcionamento, segundo o coordenador do sindicato dos Metroviários, Wagner Fajardo. Daí a longa fase de testes.

Isso porque não havia expertise em relação a esse sistema —o da linha 15-prata é o primeiro monotrilho do tipo a circular no país. Segundo o sindicato, o tempo médio para um linha do metrô sair da fase de testes e começar a operar comercialmente no horário padrão do resto dos trilhos é de, no máximo, três meses. No monotrilho, já soma oito.

Para o consultor em transporte, responsável pelos testes de implementação da linha 1-azul no início dos anos 1970, Peter Alouche, o monotrilho tem que ser “muito bem testado e retestado”. “A empresa [responsável pelo sistema, Bombardier] só tinha monotrilhos pequenos. Este é um novo trem, com uma tecnologia desconhecida aqui. Nem o pessoal do Metrô sabia o que era”, afirmou Alouche. 

Teoricamente, era o sistema mais fácil de implementar, ele diz. “A obra de monotrilho normalmente leva a metade do tempo de uma obra de metrô, mas acabou levando bem mais. Eles não contavam com a questão do desvio de córrego, os problemas na porta da plataforma.”

Ele se refere a uma falha de projeto que atrasou as obras: como revelado pela Folha, técnicos não previram um córrego embaixo da av. Prof. Luiz Ignácio de Anhaia Mello por onde o monotrilho passa. Também houve caso de a composição circular com as portas abertas.

Para Fajardo, o modal também não corresponde à demanda da zona leste —região carente de transporte público. “O monotrilho é de média capacidade, se equipara a um ônibus articulado. Uma capacidade três vezes menor que a de um metrô convencional.” 

Segundo o metroviário, “a população está servindo de cobaia”. “Foi um processo absolutamente eleitoreiro, que obedeceu critérios mais políticos do que técnicos”, afirmou.

Outro lado

Procurado, o Metrô disse que, para que o trecho tenha horário integral, ele “tem de ser testado à exaustão e aprovado plenamente pelo Metrô e pela fornecedora do sistema, a Bombardier.”

A empresa não explicou porque então, já que os testes seguem, não foi mantida a fase de operação assistida —sem cobrança de tarifa. Em nota, afirmou também que os trens estão operando de forma automática e “por estratégia” os operadores ficam dentro das composições.

Sobre a instabilidade dos trens, disse ser normal, pois o monotrilho “possui característica  de movimentação diferente dos trens convencionais, que correm em contato com trilhos de aço”. As trepidações, de acordo com o Metrô, são encontradas “em outros monotrilhos em operação em diversos países”.

Quanto à reclamação de funcionários sobre a sala de primeiros socorros feita de copa e o banheiro de vestiário, o Metrô disse que o projeto da linha previu estações “satélites” e “mestras” —nestas, estariam localizados os vestiários e refeitórios para todos os funcionários. 

“Todas as estações possuem pequenas copas para dar apoio aos empregados durante a jornada. As salas internas são para uso operacional e não interferem no atendimento aos usuários”, diz a nota, sem explicar o porquê da improvisação.

Colaborou Fabrício Lobel

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