Mulheres acusam médium João de Deus de abuso sexual

Denúncias foram feitas ao jornal O Globo e ao jornalista Pedro Bial

São Paulo

Em entrevistas ao jornal O Globo e ao jornalista Pedro Bial —exibidas na madrugada deste sábado (8) na TV Globo— mulheres  acusaram o médium João de Deus de abusos sexuais que teriam sido cometidos quando elas procuraram a cura espiritual na Casa de Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia (GO), onde ele atende milhares de brasileiros e estrangeiros todas as semanas.

Segundo O Globo, 12 mulheres denunciaram à imprensa que foram molestadas sexualmente pelo médium —seis delas foram ouvidas pelo jornal. 

Ao todo, Bial e a redatora do programa Camila Appel —que também é autora do blog Morte sem Tabu, na Folha— entrevistaram dez mulheres e ouviram relatos parecidos. O programa, no entanto, mostrou apenas quatro depoimentos por causa do tempo. 

Os depoimentos ao programa Conversa com Bial são de três brasileiras que pediram para não serem identificadas e da coreógrafa holandesa Zahira Lieneke Mous, a única que aceitou mostrar o rosto.

A holandesa Zahira contou que conheceu a casa em Abadiânia em 2014, quando buscava a cura para o trauma de ter sofrido abusos sexuais no passado. 

Após muitas pesquisas, Zahira sentiu-se a vontade para ir sozinha ao local. Na segunda visita à casa, foi informada que teria uma consulta particular com o médium. "Você se sente especial", relatou.

Nervosa e chorando, a coreógrafa contou que ficou sozinha com João de Deus e que ele lhe perguntou por que ela estava ali. Em seguida, cheirou-a e pediu-lhe que ficasse de costas, conduzindo-a para um banheiro.

Depois, o médium teria colocado as mãos dela no pênis dele e feito com que elas se movimentassem. Após o abuso, abriu um armário com pedras preciosas e pediu a Zahira que escolhesse uma delas. Em seguida, ela foi levada novamente ao banheiro onde João de Deus a teria penetrado. 

A holandesa disse a Bial que não saiu correndo e gritando porque acreditava muito que poderia ser treinada como médium para ajudar as pessoas. O programa mostrou uma foto da época em que Zahira frequentava a casa. Na imagem, ela aparece auxiliando João de Deus nos atendimentos, o que foi considerado um grande privilégio. 

Quando deixou a cidade, a holandesa percebeu a gravidade do que havia acontecido, mas desejou que não fosse verdade e negou o fato durante quatro anos. 

"Eu tinha muito medo de eles mandarem espíritos ruins, da minha vida se tornar miserável, de não conseguir dormir", afirmou. 

Após um tempo, Zahira entendeu que precisava lidar com esse e outros traumas e decidiu compartilhar a história no Facebook.

Zahira Lieneke Mous conta como foi sua experiência na Casa Dom Inácio de Loyola
Zahira Lieneke Mous conta como foi sua experiência na Casa Dom Inácio de Loyola - Reprodução/TV Globo

Ao lado de Bial, ela ouviu depoimentos de outras mulheres e percebeu que há um padrão nos relatos. As mulheres que denunciam as agressões sexuais contam que foram escolhidas para consultas particulares, tratadas como se fossem especiais e levadas para um cômodo acessado por uma porta lateral do imóvel onde acontecem os atendimentos. O oferecimento de cristais após os abusos era outra prática comum, segundo os depoimentos. 

Uma das brasileiras disse que procurou o médium após fazer tratamento contra um câncer de mama, em 2017. Frágil, ela passou por uma cirurgia espiritual comunitária e, quando voltou para uma revisão, foi chamada para a sala lateral. No local, foi informada que estava quase curada, mas ainda faltava um pouco.

Ouviu a orientação de não falar nada sobre o que aconteceria ali e passou a sofrer os abusos. 

João de Deus, segundo o relato da mulher, pediu pediu-lhe que ficasse de costas e passou a mão em todo o seu corpo. Pediu para ela esfregasse a mão no quadril e respirar com intensidade. Dizia que ela tinha excesso de energia e que a curaria. Depois, colocou o pênis nas nádegas dela e ficou ofegante.

A mulher entrou em desespero. Teve medo de gritar e ser agredida pelos milhares de seguidores do médium que se aglomeravam do lado de fora. Disse-lhe que não estava gostando do que acontecia, e ele a mandou embora. 

"Ele afirmou que estava indo até o fim do poço por mim e minha família e eu não colaborava. E que a doença voltaria".

Outra brasileira esteve com o médium pela primeira vez em 2009 em busca da cura para um problema de visão do filho. Voltou várias vezes e, em 2013, procurou ajuda após a separação do marido. Segundo o relato, foi chamada para uma limpeza energética na sala de João de Deus, levada para o banheiro e colocada em uma posição em que ele ficou atrás.

Depois, teve as mãos levadas ao pênis dele. Em outra ocasião, o médium teria sentado em uma cadeira e pedido sexo oral. 

Depois disso, ela voltou à casa com um homem da família e João de Deus ficou bravo. A mulher contou que só percebeu que era vítima de abusos quando ouviu o relato de outra vítima. Disse a Bial que é muito difícil contar o que aconteceu, mas não quer que outras pessoas passem por isso. 

A terceira brasileira narrou ter procurado o médium por ter depressão. Indicada por amigas, esteve em Abadiânia duas vezes, em 2014 e em 2015. Fez uma cirurgia espiritual na primeira visita, mas não melhorou. Na segunda vez, estava na fila do atendimento e viu que João de Deus não parava de olhar.

Segundo ela, após praticamente empurrar uma mulher doente que ajoelhou para cumprimentá-lo, ele pegou na mão da mulher, a que ele não parava de encarar, e a convidou para a sala "especial".

No cômodo, trancou a porta e relatou sonhos com a moça. Também colocou as mãos dela no pênis dele e dizia que a mulher era forte e estava fazendo o bem. Ele a convidou para almoçar e, depois, cometeu novos abusos, dizendo que eram para limpar os chacras. E que entidades lhe pediam que não contasse nada a ninguém.

Outro lado

Em nota enviada ao Conversa com Bial, a assessoria de imprensa do médium afirmou o seguinte: "Há 44 anos, João de Deus atende milhares de pessoas em Abadiânia, praticando o bem por meio de tratamentos espirituais. Apesar de não ter sido informado dos detalhes da reportagem, ele rechaça veementemente qualquer prática imprópria em seus atendimentos".

Ao jornal O Globo, a assessoria disse que as acusações são "falsas e fantasiosas" e questiona o motivo pelo qual as vítimas não procuraram as autoridades. Ainda afirma que a situação é "lamentável, uma vez que o Médium João é uma pessoa de índole ilibada".

A Folha tentou contato com a assessoria do médium, mas até o momento não recebeu resposta. 

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