Paredes racham, piso afunda e bairro tenta achar anomalia no solo em Maceió

Problema se agravou após chuvas de fevereiro e tremor de terra em março

Carlos Madeiro
Maceió | UOL

Dez meses se passaram e o bairro do Pinheiro ainda não tem certeza sobre o que está fazendo paredes racharem e pisos afundarem na região. O problema em Maceió afeta uma área com mais de 2.000 imóveis, deixando casas, prédios e vias públicas danificadas. Cerca de 200 moradores tiveram de deixar suas casas e a prefeitura decretou situação de emergência na região.

Tudo começou em março, após um tremor de terra que ainda não tem explicação. Fendas se espalharam pelas paredes dos imóveis. "Desde março a gente acompanha e sabe que o problema não estabilizou. Ao contrário: ele está evoluindo, as rachaduras estão aumentando e se propagando", relata Jorge Pimentel, do Serviço Geológico do Brasil e coordenador do trabalho de investigação no local.

O UOL visitou o bairro na sexta-feira (7) e constatou diversas casas e apartamentos com rachaduras. Há vários prédios com remendos, além de afundamentos e fraturas em ruas e calçadas.

Os estudos feitos até o momento apontaram apenas hipóteses, que vão desde falhas na rede pluvial, passam pela extração de sal na região e chegam até a possibilidade de existir uma falha geológica.

O fenômeno começou a ser percebido durante as chuvas de fevereiro na capital alagoana e culminou em um pequeno tremor de terra em março —o que deu início a evacuações e levou a população ao pânico.

A madrugada de 15 de fevereiro ainda deixa marcas na memória de José Mendes da Silva, 79. Ele é morador do bloco 7 do conjunto Divaldo Suruagy.

"Choveu muito nesse dia. Na madrugada, acordamos com areia em cima da cama. Minha mulher saiu do quarto, a porta já estava emperrada e havia uma rachadura no teto", diz Mendes da Silva, morador do bairro do Pinheiro.

Silva ainda permaneceu morando no apartamento até o dia três de março, quando um tremor de 2,4 graus na escala Ritcher fez o prédio tremer e rachar ainda mais. "Meu lugar que construí com tanto esforço foi deixado para trás. Hoje só vivo pensando em voltar ao meu cantinho", conta. Ele, a mulher, uma filha, um neto e o bisneto moram agora num apartamento emprestado pelo seu irmão no vizinho bairro do Farol.

HIPÓTESES 

Segundo a equipe que pesquisa o solo da região, a hipótese mais provável é a de que as chuvas tenham agravado problemas na rede pluvial. "Houve chuva muito intensa, e Maceió tem rede pluvial de galerias e de saneamento pouco adequadas. As águas servidas são jogadas no solo profundo, e isso pode ser uma das causas. Eu ficaria muito feliz, se fosse apenas isso pode se resolver", revela Pimentel, do serviço geológico.

Outra possibilidade seria um problema geotécnico que, com a saturação do solo, levaria as rochas subterrâneas a se assentarem para acomodação. A área onde houve a construção do bairro estaria acima de uma barreira de solo arenoso. "Ali tem sedimentos, é material muito fácil de se decompor", explica.

A investigação considera ainda a possibilidade de uma falha tectônica, a exemplo da de San Andreas, na Califórnia (EUA). "Lá é uma falha ativa, e se sabe que um dia São Francisco deve ter o 'big one' [ruptura de parte da estrutura do terreno, que causaria um terremoto que enormes proporções]. Em Maceió pode ser uma coisa simples, como pode ser um problema mais complexo como falhas geológicas antigas", diz Pimentel.

Uma última análise feita considera a extração de sal pela empresa Braskem na região, que poderia estar causando problemas no solo e ocasionando ou ajudando a agravar o problema.

Para chegar a uma explicação mais precisa, o Serviço Geológico do Brasil inicia nesta semana sondagens profundas que vão tentar mapear o que há embaixo do solo na região. Também atua na questão a Agência Nacional de Mineração. "Vamos fazer essa investigação geofísica para ver se há falhas, buracos, como uma caverna", explica Pimentel. Imagens de satélite também estão sendo usadas para ver se os terrenos estão se mexendo e checar se um prédio está torto, por exemplo.

BRASKEM TAMBÉM INVESTIGA

Procurada pelo UOL, a empresa Braskem afirmou que vem prestando todos os esclarecimentos às autoridades e, até o momento, "não há nenhuma evidência que relacione o evento ocorrido na localidade com as operações da unidade de mineração da empresa".

A Braskem também disse que contratou consultores especializados para apoiar na investigação de órgãos públicos, como na avaliação dos poços desativados na região do Pinheiro.

2.400 UNIDADES EM RISCO

Segundo um mapa feito pelos primeiros levantamentos, o problema afeta ao menos 2.400 imóveis, sendo 777 classificados como localizados em área de alto risco. Até agora, 60 residências foram esvaziadas, inclusive um prédio inteiro —exatamente onde mora Mendes da Silva, do depoimento anterior.

"Aqui sempre teve problema de alagamento, mas essa coisa de rachar construção é algo novo", conta a moradora Adriana Avelino da Silva, 40, que vive no mesmo imóvel desde os dez anos.

A casa onde ela mora com o marido tem duas grandes rachaduras, que vão do chão ao teto. Em uma delas é possível ver o outro lado por trás da parede.

"A gente está se preparando para deixar a casa, porque não vamos esperar morrer", conta.

CICATRIZES ANTIGAS

As rachaduras em prédios no bairro não são novidade, mas nunca foram tratadas como um problema do solo. As primeiras rachaduras, informaram os moradores, surgiram há cerca de 10 anos. A ideia que se tinha, entretanto, era que construções mais antigas estariam precisando de reforma.

Mas em fevereiro tudo mudou após as chuvas fortes que caíram na capital alagoana —foram 167 milímetros num mês em que a média é de 73. Muitas ruas racharam, e o problema chamou a atenção das autoridades. No dia três de março, a população entrou em pânico com o tremor, que se tornou ponto de partida para que Defesa Civil acionasse o serviço geológico.

"Aquele tremor não teve força para causar aquelas rachaduras, ele deve ter sido já uma consequência do problema, não sua causa", diz Pimentel. As investigações continuam.

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