Possibilidade de prisão causa tensão e silêncio em cidade de João de Deus

Decisão acabou por afastar ainda mais alguns fiéis e turistas da Casa Dom Inácio de Loyola

Natália Cancian
Abadiânia

A possibilidade de prisão de João de Deus, morador mais famosos de Abadiânia (GO), desencadeou na cidade uma corrente de tensão e reforçou a ordem de silêncio que já imperava entre fiéis que frequentam o centro espiritual criado por ele.

Nesta sexta (14), a Justiça de Goiás deferiu o pedido do Ministério Público de prisão preventiva do médium, alvo de acusações de abuso sexual por dezenas de mulheres.

A decisão acabou por afastar ainda mais alguns fiéis e turistas da Casa Dom Inácio de Loyola, instituição onde ele faz atendimentos espirituais.

Nesta sexta, a casa, que já tinha queda de cerca de 50% a 70% no movimento, estava com boa parte das cadeiras vazias, e quase não havia filas.

Com poucos frequentadores, a maioria estrangeiros, o local também acabou por encerrar as atividades mais cedo, pouco antes das 16h. Em dias habituais, as orações se estendem até depois das 18h.

"É uma tristeza. Um trabalho tão bonito não pode terminar assim", disse um voluntário que atua no local há cinco anos e que pede para não ter seu nome revelado.

Com receio de vincular seu nome às acusações, poucos frequentadores do local aceitavam dar entrevistas —sobretudo após a decisão da Justiça pela prisão. Nas pousadas, a informação era que muitos turistas já planejavam deixar a cidade mais cedo.

Enquanto o movimento na Casa diminuía, alguns voluntários se esforçavam para organizar atos de apoio ao médium --a maioria tímidos.

"Acredito no João. Ele já curou muitas pessoas. Não é possível fazer esse trabalho e abusar de mulheres", afirmou um turista belga que visita a Casa há cinco anos, e que pediu para não se identificar.

Na Casa da Sopa, instituição criada por João de Deus, funcionários se dividiam entre a atenção às notícias e a organização de uma festa de Natal para crianças da cidade.

Realizado nos últimos 15 anos, o evento é um dos mais tradicionais da cidade, atraindo mais de mil pessoas.

Fotos de eventos anteriores, somadas a retratos de João de Deus e de santos, decoram o espaço. A adesão para este sábado ainda era incerta.

À tarde, funcionários tentavam convencer moradores a comparecer ao evento, já organizado com toldos montados por toda a rua. "Amanhã tem festa. Tudo continua normal, viu?", dizia um deles a uma moradora.

Segundo Francisco Lobo, um dos principais auxiliares do médium, essa será a primeira festa sem a presença do líder religioso, ainda alvo de buscas pela polícia no fim da tarde desta sexta.

"Ele sempre foi a todas, em algumas vezes vestido de Papai Noel. No ano passado distribuiu até 10 mil brinquedos", afirma ele, que vê incerteza também em relação ao futuro do hospital espiritual mantido pelo médium. "Estamos apreensivos, mas vamos continuar abertos por enquanto", diz.

Para o prefeito José Aparecido Diniz (PSD), a cidade pode perder até 1.300 empregos com o fechamento da Casa Dom Inácio —cerca de 30% do total. "Isso nos preocupa muito, principalmente com o desemprego do tamanho em que está", afirma.

A defesa do médium, porém, não é unanimidade entre moradores —sobretudo daqueles que ficam do lado oposto da rodovia que corta Abadiânia, onde há menor movimento de turistas.

"Ele dá muito serviço para as pessoas, mas a Justiça precisa ser feita", diz Manoel Maia, 70, que mora na cidade há 40 anos.

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