Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Bolsonaro assina decreto que facilita posse de armas no país

O texto estende o prazo de validade do registro de armas de 5 para 10 anos

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Brasília

Uma de suas principais bandeiras durante a campanha, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) assinou na terça-feira o decreto que facilita a posse de armas no Brasil em meio a críticas a governos anteriores.​ A medida foi publicada em edição extra do "Diário Oficial da União" de terça e tem efeito imediato.

​Sem mencionar diretamente o ex-presidente Lula, Bolsonaro disse que governos anteriores negaram o direito à população da posse de armas.

Presidente da República, Jair Bolsonaro assina decreto para posse de armas
Presidente da República, Jair Bolsonaro, assina decreto para posse de armas, observado pelo chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, pelo vice-presidente Mourão e pelo ministro da Justiça, Sergio Moro - Alan Santos/Divulgação/PR

"O governo à época buscou negar o direito. O povo decidiu por comprar armas e munições e não podemos negar o direito", disse. Ele se referia ao referendo do desarmamento, feito durante o primeiro governo Lula, em 2005. À época, 64% da população votou a favor do comércio de armas. Bolsonaro, então deputado, era coordenador regional da Frente Parlamentar pelo Direito da Legítima Defesa. 

"Para lhes garantir esse legítimo direito a defesa, eu, como presidente, usarei essa arma (em referência à caneta)", disse no momento da assinatura. 

O presidente falou ainda em editar uma Medida Provisória para o recadastramento de armas que estejam com seus registros atrasados. Pelos cálculos do ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil), o governo estima que poderá legalizar um total de 8 milhões de armas.

As contas de Onyx levam em conta o número de 12 milhões de armas registradas em 2005, à época do referendo do desarmamento. Segundo ele, hoje o país tem apenas 1,2 milhão de registros.

A MP será editada por Bolsonaro até o fim de janeiro e permitirá o recadastramento das armas o que, na prática, concederá uma espécie de anistia aos que estiverem em situação irregular.

Bolsonaro esclareceu que o decreto trata apenas da posse de armas e afirmou que outras medidas podem ser feitas pelo Legislativo, como por exemplo o porte de arma rural, defendido por vários de seus apoiadores. "Esse nosso decreto trata especificamente da posse da arma de fogo. Outras coisas dependeriam de mudanças na lei, o que os deputados federais vão tratar." 

​A assinatura foi feita em um evento organizado de última hora no Palácio do Planalto que contou com a presença de ministros e de integrantes da bancada da bala. Trata-se da primeira medida de impacto nacional anunciada em cerimônia pública desde que Bolsonaro assumiu a presidência, em 1º de janeiro.

O texto estende o prazo de validade do registro de armas de 5 para 10 anos e cria pré-requisitos objetivos que precisam ser apresentados a um delegado da Polícia Federal para autorização da posse.

Essa alteração foi feita para atender uma das principais críticas dos que defendiam uma maior flexibilidade. Eles alegavam que anteriormente a PF concedia ou não a posse com base em uma avaliação subjetiva. Há ainda uma limitação de compra de quatro armas por pessoa, com exceção dos que comprovarem a necessidade de possuírem uma quantidade maior, alegando número de propriedades. 

O governo incluiu também um trecho que renova automaticamente por dez anos do registro das pessoas que estão em situação regular, mas que haviam obtido a validade pela legislação anterior, de cinco anos. As pessoas que se incluírem nessa renovação deixarão de pagar uma taxa à Polícia Federal, que em torno de R$ 90. Segundo o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, é um valor muito pequeno.

Há ainda a exigência de que pessoas que tenham crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência mental em casa apresentem uma declaração de que a residência possui cofre ou local seguro com tranca para armazenamento. Ao explicar de que se trata esse ponto, Onyx disse que o decreto tem como premissa levar em conta a boa fé do cidadão brasileiro.

“Pela primeira vez o cidadão vai chegar na frente da autoridade da pública com a declaração e essa autoridade é obrigada a acreditar no cara. Se o cara mais adiante comprovar que não tem ele perde a arma”, afirmou.

Questionado sobre exigências de armazenamento seguro para as casas com crianças, adolescentes e pessoas com deficiência, o ministro comparou o caso com acidentes domésticos.

“Quem tem criança pequena, adolescentes ou pessoas com deficiência mental tem que haver um cuidado redobrado com arma. Às vezes a gente vê crianças pequenas que colocam o dedo no liquidificador, ligam o liquidificador vai lá e perde o dedinho. E daí, nós vamos proibir o liquidificador? É uma questão de educação e de orientação”, disse.

Para os não estão em dia com a autorização de posse de armas, o governo estuda editar uma Medida Provisória até o fim do mês para permitir o recadastramento das armas. Com isso, o governo concederá uma espécie de anistia aos que estiverem em situação irregular.

A facilitação da posse de armas é uma promessa de campanha de Bolsonaro. Poucos dias antes de assumir a presidência, ele usou as redes sociais para informar que usaria um decreto para modificar as regras. A posse no Brasil é regulamentada pela lei federal 10.826, de 2003, conhecida como o Estatuto do Desarmamento.

De acordo com ela, são necessárias algumas condições para que um cidadão tenha uma arma em casa, como ser maior de 25 anos, ter ocupação lícita e residência certa, não ter sido condenado ou responder a inquérito ou processo criminal, comprovar a capacidade técnica e psicológica para o uso do equipamento e declarar a efetiva necessidade da arma.

Essas regras continuam válidas após o decreto assinado por Bolsonaro. O texto altera um outro decreto que regulamenta o Estatuto do Desarmamento.

Caçadores, colecionadores e atiradores desportivos também podem ter posse de armas, mas o registro é feito pelo Exército e segue critérios específicos.

Já o porte é proibido para os cidadãos brasileiros, exceto para membros de Forças Armadas, polícias, guardas, agentes penitenciários e empresas de segurança privada, entre outros. É preciso demonstrar a necessidade do porte por exercício de atividade profissional de risco.

Ao assinar o decreto nesta terça, Bolsonaro deixou claro que se tratava apenas de posse.

Ao final, em conversa com jornalistas, Onyx disse que o governo pode pedir urgência na tramitação de propostas que estão no Congresso e tratam do porte de armas. Segundo ele, a ideia é amplificar o porte em zonas rurais, mas o ministro considera difícil o direito ao porte em regiões urbanas.

“Quando a gente fala no residente da área rural nós estamos dando condição para que na fazenda exista arma. A gente sabe que o sujeito sai para o campo, às vezes a propriedade tem quilômetros de distância da sede e a pessoa tem que se deslocar pode aparecer uma cobra na tua frente, aparece uma onça, ou o bandido mesmo, e aí como é que faz?”, defendeu  o chefe da Casa Civil.

MONOPÓLIO

Onyx afirmou ainda que o governo federal estuda adotar medidas para abrir o mercado de armas no país.

No Brasil, a Taurus Armas praticamente detém o monopólio do mercado de fabricação de armas de fogo. Segundo ele, o governo ainda estuda a possibilidade de redução de alíquotas e impostos que incidem sobre as armas. De acordo com o ministro, nada está decidido e a ideia é trazer isenções para o consumo e não para o fabricante.

O chefe da Casa Civil de Bolsonaro tratou o tema como uma possibilidade futura e argumentou que o país ainda precisa estabilizar as contas públicas. De acordo com cálculos da equipe econômica, a previsão de deficit fiscal para 2019 é de R$ 139 bilhões.

O Executivo estuda tanto formas de trazer indústrias estrangeiras se instalarem no Brasil quanto facilitar a importação de armamento do exterior para o país.

 

REAÇÃO

A edição do decreto provocou divergência entre aliados do presidente Bolsonaro. As primeiras ponderações vieram do DEM, partido que caminha para a base de apoio do Planalto após a adesão do PSL, partido do presidente, à campanha pela reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) ao comando da Câmara.

Para o líder do DEM na Casa, Elmar Nascimento (BA), o presidente deveria ter editado uma medida provisória em vez de um decreto para que o assunto pudesse ser discutido no Legislativo. "Quando se faz por decreto, é o caminho mais rápido para um confronto. Tenho absoluta convicção de que alguém vai apresentar um decreto legislativo para cassar", afirmou Nascimento à Folha.

Além disso, o líder do DEM disse acreditar que a discussão de um tema tão polêmico neste momento pode acabar tirando o foco da agenda econômica, que tem como item número um a reforma da Previdência. 

"Fico preocupado porque acho que o governo deveria gastar todas as suas energias iniciais na pauta econômica. Esta é a fundamental. Quando emite um decreto, facilita o trabalho da oposição e traz o discurso para outro assunto, que, para mim, não pode ser prioridade. Não há nada que seja mais prioridade neste instante que a pauta econômica", disse Elmar Nascimento.

O líder do PSDB na Câmara e integrante da bancada ruralista, Nilson Leitão (PSDB-MT), é favorável ao porte de armas e diz defender o direito do "cidadão de bem" se defender.

Nas redes sociais, o deputado Major Olímpio (PSL-SP), eleito senador para a próxima legislatura, vinha comemorando desde que o governo marcou para esta terça a assinatura do texto. "Primeiro passo para a garantia à legítima defesa do cidadão de bem! Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!", escreveu em uma rede social.

A deputada eleita Carla Zambelli (PSL-SP) também foi à internet comemorar a edição do decreto e defendeu uma proposta que tramita no Congresso desde 2012 para revogar o Estatuto do Desarmamento. 

"Da minha parte, reafirmo o compromisso com a aprovação do PL 3722/2012, em sua formulação original, com a revogação total do Estatuto do Desarmamento e do absurdo requisito da 'declaração de efetiva necessidade'", escreveu a parlamentar eleita.

Por sua vez, o líder do PT, Paulo Pimenta (RS) afirmou que o partido entrará com uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo a suspensão do decreto que facilita a posse de armas, editado pelo presidente Jair Bolsonaro. 

O partido também deve apresentar projeto de decreto legislativo para sustar pontos do texto que flexibiliza o Estatuto do Desarmamento.  

"Nós vamos entrar com um projeto de decreto legislativo e com uma ADI, porque nós entendemos que esse decreto extrapola as competências previstas ao Poder Executivo", afirmou. "Ela invade competências do Poder Legislativo", disse. 

Nas últimas 24h, as buscas no Google que incluíam "posse de arma" ou "porte de arma" dispararam 774% no país —o assunto se tornou o que mais cresceu em número de pesquisas no site. 

​​​COMO É A REGULAÇÃO DE ARMAS EM OUTROS PAÍSES? 

Os especialistas contrários à liberação do porte de armas dizem que a tendência atual é de restrição e é raro encontrar um exemplo de um país que esteja afrouxando leis. Abaixo, veja o que é preciso fazer para obter uma arma em oito países.

  • Austrália: Tem leis muito restritivas, e a posse é liberada apenas em casos excepcionais (geralmente para caçadores, colecionadores ou fazendeiros em áreas isoladas). Para ter a licença é preciso passar por cursos de cuidados no manuseio, teste escrito e teste prático. Além da avaliação dos antecedentes criminais, há casos em que a polícia entrevista familiares e vizinhos. A legislação mais dura foi aprovada no fim dos anos 1990, pouco depois de um massacre que matou 35 pessoas e feriu 23 em Port Arthur, em 1996. Depois da lei, cerca de 650 mil armas foram confiscadas.
  • Alemanha: Para conseguir uma licença, é preciso comprovar que a pessoa corre risco, demonstrar que é colecionadora ou fazer parte de clube de tiro. O candidato passa por avaliação que leva em conta antecedentes criminais, saúde mental e uso de drogas. Caso seja concedida, a permissão é revisada a cada três anos. Para manter a arma em casa, é preciso permitir inspeções não anunciadas da polícia, que verifica se o armamento está guardado em local seguro. 
  • África do Sul: É muito difícil obter uma arma legalmente. O processo é lento e inclui aulas de tiro, entrevistas com familiares, checagem de histórico criminal e de uso de drogas e inspeção no local onde a arma será guardada —tudo isso antes que a compra seja autorizada.  Nas cinco maiores cidades do país, os homicídios caíram 13,6% ao ano nos cinco anos posteriores à aprovação da legislação atual, o que aconteceu nos início do anos 2000.
  • China: Em geral, os chineses que moram em cidades são proibidos de ter armas em casa —elas precisam ser guardadas em depósitos especiais. Para obter a permissão para comprá-las, é necessário apresentar uma justificativa e demonstrar conhecimento sobre uso seguro e manuseio. Também há avaliação do histórico policial e da saúde mental da pessoa.
  • Estados Unidos: É o país com maior taxa de armas por habitante do mundo. Para ter uma arma, basta passar por uma checagem instantânea de antecedentes criminais, mas isso não é necessário se a compra for realizada com um vendedor privado, em vez de em uma loja —cerca de um terço dos compradores não passou pela checagem, segundo estudo de Harvard. Em alguns estados há maiores restrições, mas em geral elas incluem apenas mais tempo de espera pela liberação da compra ou checagem mais aprofundada do histórico do comprador. Há mais de 50 mil lojas de armas no país.
  • Japão: Tem das leis mais rígidas do mundo. O longo processo para obter a permissão para comprar uma arma envolve aulas de tiro (que também precisam ser autorizadas), teste escrito, teste prático, avaliação psicológica e psiquiátrica, entrevista com a polícia para explicar por que a arma é necessária, avaliação rigorosa de histórico criminal e de relações pessoais (também é avaliado se a pessoa tem dívidas) e inspeção policial do local onde a arma será armazenada.
  • México: Há apenas uma loja de armas em todo o país e ela fica na capital, Cidade do México. Para obter a permissão do governo, é preciso atestado que comprove que a pessoa não tem antecedentes criminais. Também é necessário ter emprego fixo e renda. 
  • Reino Unido: A posse só é permitida para caçadores ou membros de clubes de tiro. Quem requer a permissão precisa passar por checagem de antecedentes criminais e entrevista domiciliar com a polícia, que verifica o local onde a arma será guardada
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