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Clube de pão gera renda a morador de rua no Rio Grande do Sul

Amada Massa tem 130 assinantes, que recebem toda semana um ou dois pães recém-saídos do forno

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Porto Alegre

Em plena véspera de Natal, os consumidores não paravam de chegar à pequena padaria do Bairro Azenha, na capital gaúcha. Eles buscavam os panetones veganos que encomendaram no Amada Massa.

O clube de assinatura de pães surgiu em março de 2018, com apenas 15 assinantes. O projeto foi idealizado por Daniel Silva e Carlos Eduardo Carvalho, que trabalhavam com comida vegana, e por Anderson Ferreira, que viveu nas ruas de Porto Alegre por 15 anos e hoje é estudante de políticas públicas na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). 

No início, os pães eram produzidos pela mãe de Daniel, Maria Madalena da Silva, na cozinha da casa, mesmo. Os produtos eram vendidos nos bairros da capital por dez moradores de rua, que ficavam com o dinheiro das vendas.

A ideia, porém, era que eles não apenas vendessem, mas que literalmente colocassem a mão na massa. O número de assinantes foi crescendo —hoje são 130— e amigos e parceiros ajudaram com empréstimos e doações que garantiram a compra de um forno industrial e de uma máquina para fazer a massa. 

 

Em outubro foi possível alugar o imóvel no Bairro Azenha e instalar a padaria.

 

Ensinados por Madalena, os moradores de rua passaram a participar da produção dos pães. Para ela, este foi o momento mais desafiador. “Muitas vezes tu tem que administrar conflitos entre eles. São pessoas vulneráveis, então estão sempre na defensiva.”

Edson José Souza Campos, 33, admite que o primeiro passo foi pegar confiança no projeto. Ele ganha R$ 320 por mês pelo trabalho, mais os extras com participações em feiras, vendas para restaurantes veganos e os panetones produzidos especialmente para as festas de final de ano. 

Há três meses conseguiu alugar um quarto em uma pensão para ele e a namorada, após quase 23 anos nas ruas. Daqueles tempos, a pior lembrança é a das noites. “Não poder dormir tranquilo”. 

Dos 10 participantes do projeto, 6 já conseguiram sair da rua tendo como principal renda o clube de pães.

Madalena, que ensina a preparar a massa, conta que aprende todos os dias com quem passa ou já passou por esta situação. 

“Sempre tive um olhar de piedade para eles, mas não é bom ter piedade das pessoas. Tem que respeitar e não julgar”, disse. Segundo um estudo de 2016 da UFRGS, 2.115 viviam em situação de rua em Porto Alegre. 

Hoje o Amada Massa tem 130 assinantes, que recebem toda semana um ou dois pães recém-saídos do forno. 

A quantidade de pães e o modo de recebimento (pode-se receber em casa ou recolher na padaria) variam de acordo com as modalidades de assinatura, cujos preços vão de R$ 45 a R$ 70 por mês. 

Os produtos são feitos com farinha orgânica, fermentação natural e não levam ingrediente de origem animal

Além da farinha, o pão tradicional leva apenas óleo vegetal de arroz e sal marinho. Mas toda semana tem um pão especial, como de batata doce, milho, beterraba ou abóbora.

O servidor público federal Rafael da Silva é um dos assinantes. “É uma maneira de ter um resultado mais sustentável, de longo prazo.”

O sentimento é o mesmo de Cristiane Alves, que assim como outros sete voluntários, aproveita as folgas do trabalho para ajudar na padaria. “Foi um dos poucos trabalhos em que eu acreditei, porque não é assistencialista”.

Anderson Ferreira, um dos idealizadores do projeto, confirma que o objetivo sempre foi o que ele chama de reparação social. “O assistencialismo é uma coisa que vai simplesmente resolver o problema imediato da pessoa. É dar o pão para galera vender e pegar uma grana. A reparação social faz com que tu entenda o teu contexto e saiba que é possível modificá-lo se tiver uma oportunidade”.

Além de aprenderem um novo ofício, os moradores de rua participam de todo o processo administrativo e financeiro da padaria, e aprendem inclusive a planejarem o uso do próprio salário.
 

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