Com novos moradores, Pacaembu muda para seguir com seu ar original

Chegada de casais em busca de espaço e qualidade de vida reaviva o bairro

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Vista do Pacaembu, na zona oeste de São Paulo; bairro tenta mudar para não ser diferente do que era no início do século passado Jorge Araujo/Folhapress

São Paulo

O engenheiro civil e construtor Rodrigo Mauro, 37, não precisa nem sair da sua rua para perceber como o bairro do Pacaembu está mudando nos últimos tempos para continuar igual ao tempo dos seus avós.

Presidente da Associação Viva Pacaembu, há sete anos, ele acompanhou neste período a chegada de sete novas famílias de moradores à pequena rua Tefé que restauraram antigos casarões.

Em lugar dos aristocráticos moradores da alta sociedade paulistana, estão mudando para o bairro casais jovens em busca de espaço, praças e jardins para criar seus filhos, perto da avenida Paulista e equipamentos urbanos.
 
Na mudança de gerações, os mais velhos que já se foram deixaram os palacetes para os herdeiros, mas muitos venderam por não suportar o alto custo da manutenção.

Ainda há muitos imóveis vazios com placas de vende-se e aluga-se, depois da crise do mercado imobiliário.

Rodrigo calcula que no máximo 200 das 2.800 casas do Pacaembu estejam à venda ou para alugar, não muito diferente do estoque de outras regiões da cidade. 
 
Várias foram abandonadas, algumas em litígios na Justiça, com o mato crescendo nos jardins e nas calçadas. Mas já se vê também muitas que estão sendo reformadas, mantendo a fachada original.
 
Uma das dificuldades para a venda dos imóveis é o alto preço, com área construída média de 400 m², que varia de R$ 1 milhão a R$ 6 milhões ou mais.

Mas o mercado já está se adaptando a estes novos tempos em que a demanda é menor do que a oferta. 
“Sou pacaembuense de pai e mãe”, orgulha-se Rodrigo, uma espécie de “prefeito” não remunerado deste bairro-jardim de apenas 11 mil habitantes e 1,34 km² cravado entre as zonas central e oeste da cidade, urbanizado pela empresa inglesa Cia. City, em 1925.

“Construa o seu lar no Pacaembu – A nova maravilha urbana”, dizia um anúncio da companhia publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 1937, quando começaram a ser vendidos os primeiros lotes de terrenos grandes, em ruas arborizadas e tortuosas, nas beiradas de um vale onde passava o riacho Pacaembu. 

Tombado pelo Condephaat  (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico), em 1991, que impede modificações na estrutura das casas, o Pacaembu ainda é um dos raros bairros da cidade estritamente residencial, onde não podem ser construídos prédios.

'QUERIAM LIBERAR PRÉDIOS DE ATÉ 8 ANDARES'

Do alto dos 20 andares do seu escritório no vizinho bairro das Perdizes, onde nasceu e trabalha, Rodrigo tem uma visão de 360° do Pacaembu, até o espigão da Paulista. 

Ao passar boa parte da sua infância e juventude na casa dos avós, apaixonou-se e foi morar lá há 10 anos, depois de se casar. 

Quando assumiu a Associação Viva Pacaembu, havia um crônico problema de zeladoria na manutenção das suas 200 ruas e de falta de luz constante, em razão da fiação antiga e da demora na poda de árvores.

Chegou a registrar 120 protocolos de falta de energia por semana. Hoje, o que mais o encanta é a segurança. “Aqui você não tem medo de morar em casa e passear pelas ruas”, diz.
 
A maior batalha foi em 2014 quando se discutia o Plano Diretor Estratégico, que em sua primeira versão previa transformar o Pacaembu em zona mista, com a liberação de prédios. Depois de 10 audiências públicas, a associação conseguiu manter as rígidas restrições. 

Comércios continuaram liberados em apenas algumas “vias coletoras”, como a avenida Pacaembu e as ruas Traipu e Itápolis. Agora, a luta é em torno dos termos da concessão do Estádio do Pacaembu, também tombado, desde 1998. “Queriam liberar até a construção de prédios de 8 andares, acredita?, mas já conseguimos tirar isso do projeto de concessão”.

O projeto continua emperrado na prefeitura desde a breve gestão de João Doria (PSDB)

A CIDADE SE MOVE

“São Paulo anda”, ensina aos seus funcionários o corretor Antonio Carlos Rangel de Mello, dono da Mello Imóveis, a mais antiga do bairro, que participou do lançamento de venda dos primeiros lotes da Cia. City.

Com 60 anos de experiência na região, Mello acompanhou as transformações também na paisagem humana.

Antes os proprietários tinham famílias maiores e precisavam de casas grandes. Eram ricos comerciantes, industriais, banqueiros, fazendeiros, que podiam ter muitos empregados para cuidar da casa. Agora as famílias têm menos filhos e já não conseguem manter as antigas criadagens.
 
Com uma população mais jovem e com menos recursos do que nos tempos dos Mesquita, Cunha Bueno e Queiroz Aranha, a alta "nobreza paulistana", os preços dos imóveis foram se ajustando às possibilidades dos interessados.
 
Num casarão de tijolos aparentes e pedras, construído pela própria Cia. City, resiste o casal Zélio e Ciça Alves Pinto.

Artistas plásticos, ali eles montaram seus ateliês, criaram os três filhos e viram o bairro mudar de cara ao longo dos últimos 40 anos.

Os filhos casaram e a casa ficou grande demais para os dois. Já pensaram várias vezes em coloca-la à venda e morar em apartamento, mas sempre acabam desistindo quando chegam os filhos e netos para brincar no amplo quintal e nos labirintos do terreno de 700 m².

Mineiro de Caratinga, Zélio festejou recentemente nos salões dessa casa seus 80 anos e lembrou dos primeiros tempos, logo depois do AI-5.

Em 1969, ele saiu do Rio para trabalhar com Cláudio Abramo na reforma gráfica e editorial da Folha, e só saiu de São Paulo para passar temporadas de trabalho em Nova York e Paris.

Quase não passavam carros, as crianças jogavam taco e futebol e podiam andar de bicicleta sem medo pela vizinhança.

“A década de 80 foi fatal, acabou o sossego. O transito aqui virou um problema com a chegada das faculdades da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado), conta Zélio.

“Como todos os alunos tinham carro, a entrada e a saída das aulas congestionavam tudo, as ruas viraram estacionamento”. 

Ao voltar para casa no início deste século, depois de passar seis anos em Nova York, Zélio notou que havia muitas casas à venda, e pensou em fazer o mesmo, mas resolveu “esperar mais um pouco”. E foi ficando.

“Aqui é bom para andar a pé com os cachorros, ir até a padaria, é muito tranquilo. Nunca tive problemas com segurança. Tem muita ladeira, é verdade, mas também tem descidas, assim como a vida...”, diz ele, que começou a carreira como cartunista na revista O Cruzeiro, já fez exposições no Brasil e no exterior e foi secretário adjunto de Cultura do governo estadual no tempo de Mário Covas.
 
Nos altos e baixos da sua vida quase centenária, o Pacaembu resiste. Os Alves Pinto também.  

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.