Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Diretora do departamento de HIV é exonerada, e ONGs reagem

Entidades enviam cartas ao Ministério da Saúde pedindo manutenção de Adele Benzaken no cargo

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Brasília

O Ministério da Saúde irá trocar o comando do departamento de HIV/Aids e hepatites virais, hoje responsável pela política de prevenção e controle de infecções sexualmente transmissíveis no país.

A atual diretora, a médica sanitarista Adele Benzaken, foi avisada da exoneração nesta quinta-feira (10), em conversa com o novo secretário de vigilância, Wanderson Kleber de Oliveira.

A medida ocorre uma semana após o novo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmar em entrevista à Folha que o governo precisava voltar a estimular a prevenção do HIV, “mas sem ofender as famílias”.

A troca também ocorre poucos dias após o governo retirar do ar uma cartilha voltada à saúde de homens transexuais, alegando a necessidade de correções no documento.

A mudança gerou reação de entidades que representam especialistas e portadores de HIV, que passaram a enviar cartas ao novo ministro pedindo que a atual diretora seja mantida no cargo.

Em ofício enviado nesta quinta ao ministério, o Fórum de ONG/Aids de São Paulo afirma que Adele ajudou o país a retomar lugar de destaque na resposta à epidemia e trabalhou para expansão de outros métodos preventivos ao HIV, caso da PEP (profilaxia pós-exposição) e da Prep (Profilaxia pré-exposição), "sem ofender as famílias".

“Mais recentemente, também, a campanha governamental de conscientização da importância da prevenção do HIV ajudou a difundir –sem ofender às famílias– as conclusões dos resultados de estudos científicos sobre o 'indetectável = intransmissível', que incentiva a adesão ao tratamento antirretroviral pelas pessoas vivendo com HIV”, informa o ofício.

Infectologistas e representantes de outras entidades, como a Anaids, também enviaram cartas ao Ministério da Saúde nesta semana.

Questionado, o ministério informa que Adele não será mais a diretora, “mas foi convidada para continuar a contribuir com a política”. A previsão é que a troca de comando seja publicada no Diário Oficial da União nos próximos dias.

Em seu lugar, ficará o atual diretor-substituto do departamento, o médico epidemiologista Gerson Pereira. Ainda não há informações se ele assumirá o cargo de forma definitiva. 

​​POLÍTICA SOB RISCO

Em entrevista à Folha após ser informada da saída, a agora ex-diretora do departamento de HIV/Aids Adele Benzaken afirma que o país corre risco de voltar a ter uma epidemia generalizada de HIV se deixar de investir em populações consideradas chave para a epidemia, como transexuais, homens que fazem sexo com homens, entre outros.

Para ela, a polêmica em torno da cartilha voltada à saúde de homens transexuais indica que o governo poderá deixar de trabalhar ativamente com esse grupo. Segundo Adele, o departamento já havia retirado da cartilha trecho questionado pela pasta, o qual cita a prática de "pump", ainda em dezembro. Na última semana, a cartilha editada foi retirada do ar.
 
Como vê a sua saída do departamento?

Sou uma pessoa técnica. E a grande mensagem é que o nosso trabalho foi sim voltado para as populações-chave, que são as pessoas mais vulneráveis. A continuidade desse trabalho ao longo da história do departamento é que faz com que o Brasil tenha uma epidemia [de Aids] concentrada em algumas populações e não generalizada como é na África e em outros países. Isso mostra a importância de trabalhar com a população-chave. Se isso não for feito nesse governo, nesses próximos quatro anos, corremos o risco de termos uma epidemia generalizada na população brasileira. É esse o alerta que deixo como mensagem.

Estou sendo demitida por conta de uma cartilha voltada a uma população mais vulnerável, que são os homens trans. São pessoas invisibilizadas pela sociedade. Isso mostra o quanto é importante continuar nessa linha de trabalho com essas populações. A população trans brasileira tem uma das maiores taxas de prevalência de HIV, que varia de 30% a 50% em algumas cidades. É nessa população que temos que trabalhar. A epidemiologia mostra que essas populações-chave têm o que chamamos de populações-ponte, que vão para a população geral. É assim a dinâmica da transmissibilidade das infecções sexualmente transmissíveis. 

Profissionais do sexo são populações-chave, e têm clientes, que são populações-ponte, que têm relações sexuais com esposas, amantes, namoradas, o que transmite para a população geral. Entre homens que fazem sexo com homens, alguns são bissexuais, que são populações-ponte. É por isso que, no histórico do programa de HIV e Aids, e não falo unicamente na nossa gestão, uma das questões principais foi sempre trabalhar com populações-chave, e por isso não temos uma epidemia generalizada.

A atual política de HIV está sob risco?

Não tenho bola de cristal, mas o risco sempre existe se persistir essa definição de que não vão trabalhar com populações-chave. Existe um risco epidemiológico, e isso verbalizei isso para o secretário. É uma situação extremamente frágil. As prevalências são muito altas. Entre homens que fazem sexo com homens jovens, a prevalência é altíssima. Temos uma epidemia tão concentrada que mostra que nos últimos dez anos temos reduções nas taxas de HIV e Aids mulheres. Ela está contida em determinadas populações, por isso é custo-efetivo trabalhar com população-chave. Mas existem sinais de que vai ser mais complicado de se trabalhar com essas populações. Espero que os que me sucedam consigam fazer isso. 

O novo ministro disse em entrevista à Folha que a política de prevenção precisa ser estimulada, mas ofender as famílias. Como vê essa questão?

Para mim não é nada ofensivo falar de prevenção para jovens. As crianças passam hoje mais tempo na escola do que no convívio familiar. A família também tem que ter informações, e a escola pode fazer esse papel também. Acho que ele tem que se explicar como pensa em fazer isso, mas para mim não tem nada ofensivo. 

O ministro também tem feito críticas à Prep [profilaxia pré-exposição, pílula que previne o HIV], dizendo que o Estado não pode dar um remédio para resolver o comportamento de risco. O que achou da questão?

Talvez essa declaração ocorra porque ele desconheça as indicações da Prep. A Prep não é para ser dada para todas as pessoas, há indicações específicas. Ela é voltada para profissionais do sexo, para homens que fazem sexo com homens, para trans e casais sorodiscordantes. E dentro desses grupos, tem a questão comportamental, porque a pessoa pode não ter multiplicidade de parceiros, ou mesmo pode ser uma pessoa que usa preservativo de forma consistente. Há toda uma normatização e rotina. Também temos um dos melhores monitoramentos das unidades de saúde que fazem a Prep. Ela não está de forma nenhuma indicada sobre um aspecto amplo e nem tampouco sendo distribuída aleatoriamente. A continuidade desse trabalho é que nos guia.

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