Doria e Covas abandonam caça a imóvel vazio ou subutilizado em SP

Propriedades estão sujeitas a alta no IPTU e desapropriação; secretário diz que retomará a ação

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São Paulo

A Prefeitura de São Paulo praticamente abandonou a notificação de imóveis ociosos na capital paulista, que estariam sujeitos a um IPTU mais caro e até a uma eventual desapropriação para a construção de moradias.

As notificações desses imóveis vazios ou subutilizados caíram expressivamente em 2017, ano em que assumiu como prefeito João Doria (PSDB) --agora eleito governador-- e foram quase que extintas em 2018, quando assumiu o vice Bruno Covas (PSDB).

O Ministério Público de São Paulo abriu inquérito para investigar o caso. O novo secretário de Urbanismo e Licenciamento, Fernando Chucre, disse à Folha que as notificações serão retomadas.

Após alerta por estar vazio, edifício-garagem na rua Rego Freitas foi transformado em centro cultural
Após alerta por estar vazio, edifício-garagem na rua Rego Freitas foi transformado em centro cultural - Zanone Fraissat/Folhapress

Toda propriedade deve atender a uma função social, determina a Constituição brasileira. De acordo com definição da própria prefeitura, "a propriedade urbana cumpre sua função social quando seu uso é compatível com a infraestrutura, equipamentos e serviços públicos disponíveis, e simultaneamente colabora para a segurança, bem estar e desenvolvimento dos usuários, vizinhos e, por fim, da população como um todo."

Isso está previsto também no Estatuto da Cidade, e, na capital paulista, em lei municipal de 2010 e no Plano Diretor Estratégico, de 2014.

O Plano Diretor criou mecanismos para fiscalizar e exigir o cumprimento da função social. Primeiro, definiu o que são imóveis ociosos em três categorias: não edificados (aqueles que têm área superior a 500 m² e nenhuma construção), subutilizados (com área construída menor do que a prefeitura exige) e não utilizados (com ao menos 60% da área construída desocupada há mais de um ano).

Ficam sujeitos a sanções imóveis nessas categorias em determinadas regiões da cidade, como nas subprefeituras da Sé e da Mooca, em zonas de interesse social e em áreas de operação urbana (como a Água Espraiada e a Faria Lima).

Imóveis ociosos nessas regiões passaram a receber notificações a partir de 2014. Se não regularizarem a situação, os proprietários pagam um IPTU mais caro, que sobe até atingir o valor de 15% do imóvel, e podem ter sua propriedade desapropriada, mediante pagamento em títulos da dívida pública.

Foram essas notificações que foram interrompidas nas gestões tucanas da prefeitura. Segundo dados da própria Smul (Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento), em 2015, 564 imóveis foram notificados. No ano seguinte, foram 509 avisos.

Em 2017, primeiro ano da gestão Doria, o número caiu para 59, 11% do que havia sido notificado no ano anterior. Em 2018, foram apenas oito.

Segundo funcionários e ex-funcionários da Cepeuc (Coordenadoria de Controle da Função Social da Propriedade), departamento da Smul que controla a emissão de notificações, o órgão está sendo desmobilizado e hoje há um terço dos funcionários que havia antes de 2017.

A avaliação nos bastidores é de que houve uma mudança de prioridade na atual gestão.

A aplicação desse mecanismo é importante por uma série de motivos. Primeiro porque o IPTU mais caro gera mais recursos aos cofres públicos, ainda mais importantes em tempos de restrição orçamentária.

Segundo porque, se esses imóveis forem desapropriados, podem ser usados como moradia para pessoas de baixa renda, ajudando a minimizar o déficit habitacional da cidade --a secretaria Municipal de Habitação chegou, inclusive, a estudar a incorporação da Cepeuc sob seu guarda-chuva, retirando-a da Smul, mas a ideia não avançou.

"O descumprimento da função social da propriedade é uma questão constitucional. Não deveria ficar a cargo do município escolher se notifica ou não. Essa questão de diferentes orientações de gestão para gestão é prejudicial à cidade e à população", diz o urbanista Fábio Custódio Costa, que trabalhou como técnico na coordenadoria que aplica as notificações e estudou o mecanismo em seu mestrado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Mesmo que o imóvel esteja conservado, limpo e com o IPTU em dia, ele ainda está sujeito ao cumprimento da função social

Há situações em que os imóveis podem não ter edificações e, mesmo assim, estarem de acordo com a lei, como em casos de galpões, quadras, piscinas ou postos de gasolina. Estacionamentos rotativos de carros, no entanto, não estão dentro desses casos.

Há uma semana como secretário de Urbanismo e Licenciamento, Fernando Chucre disse à Folha que os processos serão retomados.

Segundo ele, é normal que o número de notificações seja alto nos primeiros anos e caia depois. "Você dá uma volta no quarteirão e identifica claramente prédio desocupado, terreno vazio, prédio ocupado por movimento de moradia. É muito fácil fazer esse levantamento" diz ele. "Não vamos notificar 500 por ano, porque os principais imóveis desocupados já foram notificados."

A prefeitura diz que revisou as notificações feitas na gestão anterior e encontrou inconsistências. Isso, diz a pasta, demanda "rotineira conferência e correção". Em 2017, 600 processos foram revistos, e, em 2018, foram mil, diz.

A secretaria afirma que 262 imóveis tiveram um IPTU mais caro em 2017, e 392 em 2018, "o que representa a sedimentação e continuidade do instrumento aplicado e consolidação dos processos já iniciados."

Por fim, a prefeitura nega que o órgão responsável por essa fiscalização esteja sendo reduzido, mas não responde se pretende recontratar funcionários. "A Cepeuc permanece mobilizada na tarefa para a qual foi constituída. As medidas adotadas pela coordenadoria até o momento representam justamente o fortalecimento do instrumento aplicado por ela."

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