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Tragédia em Brumadinho

Em Brumadinho, a vida imita a arte denunciadora de Inhotim

Museu a céu aberto em cidade vítima de tragédia é repleto de obras que versam sobre a exploração do solo

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Visitante observa instalação do artista Doug Aitken no Instituto Inhotim em Brumadinho, Minas Gerais

Visitante observa instalação do artista Doug Aitken no Instituto Inhotim em Brumadinho, Minas Gerais Lalo de Almeida - 12.out.11/Folhapress

São Paulo

Um dos pavilhões mais populares do mastodôntico Instituto Inhotim é uma redoma de vidro construída por Doug Aitken em torno de um buraco de 200 metros de profundidade cavado na terra vermelha da mineira Brumadinho.

O artista americano plantou microfones ao longo da descida, e o som dos lençóis freáticos e outros ruídos das entranhas do solo reverberam dentro de sua instalação para o espanto dos visitantes.

Delírio do magnata da mineração Bernardo Paz, o museu de arte contemporânea está entre os maiores do mundo. Fora o tamanho, nada se assemelha ao acervo reunido ali, obras de nomes badaladíssimos no circuito global abrigados em arrojados pavilhões criados por arquitetos idem. Tudo emoldurado pela mata exuberante domada de acordo com os desenhos do modernista Burle Marx.

Lá, além da obra de Aitken, estão peças monumentais de Adriana Varejão, Claudia Andujar, Cildo Meireles, Chris Burden, Hélio Oiticica, Lygia Pape, Matthew Barney, Miguel Rio Branco, Olafur Eliasson, Rirkrit Tiravanija, Tunga e muitos outros incontornáveis em qualquer livro de história da arte da atualidade.

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O tesouro visual —com valor estimado em R$ 5,7 bilhões— reunido nessa Disneylândia tropical para nerds estetas não sofreu nenhum arranhão com o rompimento da barragem da Vale, e pareceria indelicado falar de arte numa hora em que mais de 200 pessoas estão desaparecidas.

Mas é sintomático que o impacto ambiental da mineração, assunto de muitas das obras no acervo do museu, agora cause tanto estrago nos seus arredores, um perigo que bate à porta e interdita o escapismo lúdico daquelas peças —por precaução, o museu foi esvaziado às pressas depois do incidente com a barragem.

Quando esteve em Brumadinho para construir sua instalação, Aitken ficou impressionado com as fendas abertas na terra por uma mina do lado de fora do parque. Paz, o dono do Inhotim, fez sua fortuna explorando essa mesma indústria e financiou a construção de peças faraônicas que enquadravam a violência contra o meio ambiente.

Outras das obras mais marcantes do museu não desviam do tom de ferrugem do solo mineiro. Essas cores aparecem, por exemplo, nas imensas vigas de aço oxidado fincadas numa poça de concreto por Chris Burden e mancha as rodas do trator que sustenta uma árvore esbranquiçada no pavilhão de Matthew Barney.

Não raro os artistas se deixam seduzir pela força da terra ali, alguns mistificando o magnetismo do minério, outros com ares mais de denúncia. No rastro do desastre em Mariana, no mesmo estado de Minas Gerais, aqueles que encarnaram o papel de Cassandra a alertar para o perigo parecem ter maior ressonância.

Imagens aéreas, que mostram uma Brumadinho antes verdejante engolfada por um mar de lama ferruginosa, lembram a tragédia anunciada e encenada pelos artistas e comprovam o triste lugar-comum que diz que a vida imita a arte, em especial os seus pontos mais catastróficos.

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