Descrição de chapéu Tragédia em Brumadinho

Médica que morreu em Brumadinho fez aniversário na véspera

Marcelle Cangussu foi a 1ª vítima identificada após rompimento de barragem em MG

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José Antônio Bicalho
Brumadinho (MG), São Paulo e Belo Horizonte

Bonita, alegre e feliz com o trabalho. Assim amigos e familiares descrevem, nas redes sociais, o perfil da médica Marcelle Porto Cangussu, a primeira vítima identificada na tragédia do rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte (MG).

O nome da médica integrava a lista de desaparecidos, mas a morte só foi confirmada neste sábado (26).

Marcelle, que tinha completado 35 anos na última quinta-feira (24), trabalhava na mineradora desde 2015. 
Na sexta, segundo relatos de amigos e parentes, ela não estava escalada para trabalhar, mas foi chamada pela empresa de última hora.

Marcelle, posa com uma mão na cintura, em um vestido preto com estampa geométrica prateada
A médica Marcelle Porto Cangussu, em sua última noite, na comemoração de seu aniversário de 35 anos, na véspera do desastre - Arquivo pessoal

Eles dizem que, na noite anterior, ela havia comemorado o aniversário de 35 anos com amigos e familiares em um restaurante na cidade de Nova Lima.

“Ela estava deslumbrante. ficou na festa até por volta da meia-noite. No outro dia foi trabalhar e morreu pouco depois do meio-dia”, disse neste sábado (26) Dennyson Porto, tio de Marcelle. 

Ainda segundo esses relatos, Marcelle estava no trabalho às 7h30. Ela planejava continuar os festejos na noite da sexta (25), dia em que ocorreu a tragédia, no início da tarde. Marcelle estava em horário de almoço no lugar onde dava expediente quando a barragem rompeu.

“O que nos conforta em meio a esta tragédia pessoal, familiar e humanitária, é que pelo menos conseguimos resgatar e identificar o corpo de Marcelle com brevidade. O que aumenta o drama das famílias é a espera. Esperar é angustiante, é torturante”, disse Dennyson à Folha, durante o velório da jovem médica, na noite de sábado, em Belo Horizonte.

Formada pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) há dez anos, Marcelle obteve seu título de especialista em medicina do trabalho em 2015 e se dedicava à carreira na mineradora. Foi a terceira colocada no vestibular, ao entrar na faculdade.

Trabalhava na Vale e no Hospital Metropolitano de Betim, na Grande Belo Horizonte.

Ela morava em Belo Horizonte, no bairro do Belvedere. Diariamente, dirigia 25 km para chegar à Vale em Brumadinho. Amigos relatam que a maior preocupação da família era em relação à segurança de Marcelle na estrada. 

Solteira, a médica não tinha filhos. Passava noites seguidas no apartamento de sua avó, a poucas quadras do seu. Larissa Porto, uma das irmãs de Marcelle que mora nos EUA, compartilhou uma mensagem, em sua página numa rede social, em homenagem à médica: 

“Nosso ‘passarinzim’ voou (…) O carinho de todos me conforta na distância, mas o coração chora. Não vestirei luto. Para ela, minha homenagem é vestir branco”.

Outras vítimas 

Além de Marcelle, 33 corpos foram encontrados, sendo sete já identificados: Jonatas Lima Nascimento, Carlos Roberto Deusdedit, Willian Jorge Felizardo Alves (que constam na lista da Vale de funcionários desaparecidos da mina); Fabricio Henriques e Eliandro Batista de Passos (nomes que constam na lista da Vale, mas com grafia diferente); além de Leonardo Alves Diniz e Robson Máximo Gonçalves.

Com as 34 mortes, a tragédia de Brumadinho superou em número de vítimas o desastre de Mariana, também em Minas Gerais, em 2015, quando 19 pessoas morreram.

Diante do alto número de desaparecidos —mais de 250—, o governo federal e estadual preveem que as mortes aumentarão. Na noite de sexta (25), o governador mineiro Romeu Zema (Novo) chegou a dizer que eram mínimas as chances de resgatar pessoas com vida. “Vamos resgatar somente corpos”, declarou.

Para os familiares de empregados da mina e de moradores de Brumadinho que estão desaparecidos, o sábado foi de busca por informações em hospitais, IML e centros de busca.

Cerca de 250 pessoas estiveram num centro de triagem da Polícia Civil, em Belo Horizonte, para efetuarem o cadastro de características físicas das vítimas desaparecidas. 

Segundo a Polícia Civil, são coletadas informações como marcas de nascença, tatuagens, cicatrizes e fraturas que poderão ser identificadas nos corpos que chegam ao IML da capital.

No local, familiares e amigos de desaparecidos foram atendidos por psicólogos e assistentes sociais. O clima era de desespero e angústia devido a falta de informações sobre as vítimas.

Na porta do IML de Belo Horizonte, Antonio Rosalino Mendes, 70, procurava pelo corpo da filha, que trabalhava no momento do rompimento da barragem. Kátia Gisele Mendes, 39, é contadora e trabalhava na empresa há 16 anos. 

“Infelizmente não tenho esperanças de encontrar minha filha viva. Estive no local e só peço a Deus forças para suportar essa tragédia”, disse.

Outro ponto de concentração de familiares foi no Hospital de Pronto Socorro João XXIII (HPS), onde pelo menos três pessoas que estavam em busca de informações tiveram que ser socorridas ao passarem mal.

O trabalhador rural Lucimar Ferreira da Cunha, 47, é um dos que esteve no hospital. “Ainda tenho a esperança de achar minha filha, meu neto e genro com vida” disse.

Suas filhas, Pamela Prates da Cunha, 13, e Paloma Prates da Cunha, 22, seu neto, Heitor da Cunha, de um ano e sete meses e o genro, Robson Maximo, 29, estavam na Pousada Nova Estância, que foi atingida pela lama. Paloma sobreviveu, está internada e pergunta a todo momento pelo seu filho Heitor.

“Quando a lama invadiu a área da Pousada, os quatro foram arrastados, mas a Paloma conseguiu se salvar pois se agarrou a um tronco de árvore”, contou Lucimar.

Os outros familiares continuam desaparecidos. “Estou destruído, mas ainda acredito em um milagre”, disse.

No Centro Comunitário de Córrego do Feijão, Joana Amélia dos Santos tentava consolar a filha Ana Paula Santos, que estava em choque pelo desaparecimento do marido Marco Aurélio Barcelos. 

Ana Paula não conseguia chorar nem falar. Mãe e filha esperavam por informações que sabiam que iriam demorar, “mas não vamos arrastar pé daqui”, disse Joana. Também estavam ali as três crianças filhas do casal, Diomar, Cristina e Jussara. Marco Aurélio trabalhava na Pousada Nova Estância.

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