Descrição de chapéu Obituário Edir Silva de Castro (1946 - 2019)

Mortes: Atriz, cantora e escultora, foi a mais sábia entre as Frenéticas

Edyr de Castro integrou grupo que abalou a ditadura militar com humor ácido, performances esfuziantes e erotismo

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São Paulo

Nas lembranças de amigos, colegas e familiares, um atributo se repete: Edir Silva de Castro era a mais sábia e serena entre As Frenéticas.

“Quando estavam juntas, era um burburinho, uma energia”, diz a psicóloga Joy Rodrigues, 44, filha de Edir, que então assinava Edyr Duque.

“Pelo que me contam”, prossegue, “minha mãe ficava quietinha observando até levantar o dedo, pedir licença e sintetizar a ideia de todas elas.”

A atriz, cantora e astróloga Leiloca Neves reforça a percepção. “Enlouquecíamos os jornalistas nas coletivas. Quando um deles notava a Edyr calada, perguntava algo e sua resposta era brilhante.”

Em 1976, Edyr tinha 30 anos, estava recém-separada do músico Zé Rodrix (1947-2009), com quem teve a filha Joy, e tinha poucas perspectivas profissionais. 

Veio em boa hora a ideia do jornalista Nelson Motta: ele abriu uma boate no Rio e, para servir as poucas mesas, contratou garçonetes.

O plano era que, vestidas em trajes curtos, saltos altos e maquiagem, elas alternassem o atendimento com alguns números dançantes.

O sucesso no palco, porém, logo as fez deixar as bandejas para trás.

“Durante muito tempo fui ‘a filha das Frenéticas’. Elas eram as minhas titias, assim como os Dzi Croquettes eram meus titios”, diz Joy, mencionando o grupo de teatro e dança que, como as Frenéticas, abalou os moralistas pilares da sociedade brasileira da época.

No auge das discotecas e em plena ditadura militar, Edyr, Leiloca, Dhu Moraes, Lidoka Martuscelli, Regina Chaves e Sandra Pêra amalgamaram humor ácido, performances esfuziantes e um erotismo que desafiava o papel submisso até então destinado às mulheres.

Como na marchinha “Fonte da Juventude”, de instigante objetificação masculina: “Quanto mais a mulher jura/ Gostar de homem erudito/ Tanto mais ela procura/ Um tipo burro e bonito/ Pois as pernas que um dia abalaram Marias/ Hoje são dois abacaxis.”

Em “A Marcha do Povo Doido”, de Gonzaguinha, as artistas foram além e cantaram a anistia, a abertura, a tortura:

“Confesso/ (E nem precisa bater)/ Vem meu bem/ Me condena com aquela anistia/ Me manda logo pra cadeia.”

“As Frenéticas não copiavam a disco music americana, elas a misturavam com samba, rock e teatro de revista; eram alegres, provocantes e libertárias”, lembra Motta.

“No linguajar de hoje, elas trouxeram empoderamento”, diz Joy. “O país vivia uma ditadura e de repente lá estavam aquelas mulheres maravilhosas mostrando que dá, sim, pra ser gostosa e ter talento.”

O grupo lançaria dois discos de sucesso e mais três quando a onda já começava a baixar. 

Em 1983, já assinando Edyr de Castro, a cantora passou a se dedicar à atuação em telenovelas e minisséries.

Ela já interpretara personagem em “Escrava Isaura” (1976) e participaria de 18 produções, incluindo “Roque Santeiro” (1985) e “Por Amor” (1997), da Globo, e “Poder Paralelo” (2009), da Record.

No tempo livre, a artista dedicou-se também a esculturas em terracota e em bronze, reproduzindo em especial figuras femininas.

Em 2011, debilitada pelo mal de Alzheimer, passou a viver no Retiro dos Artistas, no Rio. No último ano, sobrevieram novas complicações: diabetes, um problema renal e uma pneumonia.

As antigas amigas, diz Joy, seguiram por perto. “As Frenéticas continuaram sempre muito irmãs, uma coisa linda. Quando mamãe adoeceu, em 2011, elas chegaram junto.”

“Edyr era sempre foi muito na dela, tranquila. Mas o Alzheimer a atacou de forma muito agressiva; já não esboçava reação”, diz Maria Aparecida Cabral, 51.

Ela é administradora-geral do Retiro dos Artistas, instituição de abrigo a profissionais idosos do meio artístico que completou cem anos em 2018 e por onde já passaram nomes como o ator Cláudio Correia e Castro (1928-2005).

O afeto, porém, parece ter superado a doença, diz Leiloca.

“Numa das vezes em que fui ao Retiro, contei a ela que seu humor era o mais inteligente entre todas; ela me olhou surpresa e, mesmo com os esquecimentos, disse: ‘Adorei. Você nunca me disse isso’. Demos um abraço e seus olhos ficaram marejados; sua lembrança reconheceu o meu toque.”

Edyr morreu no dia 15 de janeiro, no hospital municipal Lourenço Jorge, no Rio, após múltipla falência de órgãos. Deixou a filha, Joy, e a neta, Amodini, de 15 anos.

Nesta segunda (21), às 19h30, a artista será lembrada em missa de sétimo dia na Paróquia da Divina Providência (r. Lopes Quintas, 274, Jardim Botânico), no Rio.


coluna.obituario@grupofolha.com.br

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