Descrição de chapéu Tragédia em Brumadinho

Advogados rondam atingidos por barragem em Brumadinho até em velório

Prática pode ser punida pela ordem dos advogados com cassação do registro

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Brumadinho (MG)

A barragem de Brumadinho tinha ruído há poucos dias quando dois advogados se aproximaram de Adilson de Souza, representante dos moradores de uma das regiões atingidas, e pediram que ele recomendasse seus serviços à comunidade.

Foi só eles virarem as costas que Adilson rasgou o cartão de visitas, sentindo que a sugestão não caiu bem na dor do momento. "Eu não me meto nessas coisas, não", diz.

Dias depois, a cena se repetiu numa assembleia do bairro Parque da Cachoeira, no mesmo lugar. Sentados num ponto de ônibus na entrada, outros dois advogados discretamente entregavam cartões a famílias que se sentiram lesadas pela súbita tragédia. 

Além de ser condenada pelos moradores, que dizem se sentir explorados, a depender da abordagem a prática pode ser considerada captação de clientes, punida pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) com censuras e até cassação do registro do profissional. 

Nas duas últimas semanas desde o desastre, a OAB de Minas Gerais registrou três representações contra esses profissionais após acusações de atuação irregular. Os relatos ouvidos na cidade, porém, são ainda mais numerosos. 

A ordem em Belo Horizonte recebeu o caso de um advogado que teria ido a um velório coletivo de vítimas em busca de clientes —são 157 mortos e 182 desaparecidos até agora. Um anúncio no Facebook também anunciava: "Tragédia em Brumadinho - Garanta sua indenização", indicando o contato de advogados. Foi apagado dias depois.

Houve ainda um pastor que se apresentava a moradores como um advogado de fora da cidade. Um dos que pegou seu cartão, porém, foi Ronan Nogueira, presidente da OAB de Brumadinho, que registrou o caso na delegacia. 

"Quando eu disse que era presidente da OAB, ele ficou todo preocupado e falou que iria regularizar sua situação e depois voltaria. Antes de se retirar, fez uma oração para mim", conta. O caso está sendo analisado pelo tribunal de ética do órgão de Minas Gerais. 

"A atuação dos advogados é livre, o que queremos é blindar Brumadinho de espertalhões que estão se aproveitando da situação e não estão respeitando a dor dos outros." 

Responsável por receber essas acusações, ele diz que os advogados "urubus" vêm de outras cidades e de ao menos seis diferentes estados: Goiás (o mais citado), Mato Grosso, Distrito Federal, Espírito Santo, São Paulo e Rio de Janeiro. 

O defensor público da União Guilherme Mattar chegou a ouvir de moradores que advogados prometeram ajudar na obtenção do repasse de R$ 100 mil anunciado pela Vale aos parentes de vítimas da tragédia. O processo não é judicial e não precisa de advogados. 

Representantes das defensorias públicas estadual e federal têm reforçado sua presença no município para inibir essa prática e oferecer orientação jurídica gratuita. Promotores e procuradores do Ministério Público alertam a população sobre o risco de processos judiciais conduzidos individualmente. 

"Nossa atuação como Ministério Público só terá força em nome de uma comunidade unida. Tudo o que a Vale mais quer é que vocês entrem com ações indenizatórias individuais", disse, em uma reunião com moradores de Parque da Cachoeira, o promotor André Sperling Prado. 

Ele disse que não poderia desaconselhar os moradores que quisessem procurar seus advogados pessoalmente. "Mas espero que eles sejam muito bons", completou.

O intenso assédio de profissionais também aconteceu com as famílias atingidas em Mariana, segundo Carlos Schirmer, representante da OAB que acompanha a tragédia de Brumadinho. Até hoje, nenhuma vítima do rompimento de 2015 foi reassentada ou indenizada.

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