Conselho muda tombamento de praça para permitir prédio

Órgão municipal autorizou derrubar casas no entorno da Vilaboim; decisão não é final

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Detalhe de fachada do edifício Louveira e, à direita, casa que pode ser derrubada; as janelas do prédio, tombado, têm persianas amarelas que correm sobre um fundo vermelho e a base de cada andar é azul claro; há árvores ao longo da calçada; moradores se reuniram contra decisão do Conpresp que altera tombamento da praça Vilaboim, onde se encontra o edifício

Detalhe de fachada do edifício Louveira e, à direita, casa que pode ser derrubada; moradores se reuniram contra decisão do Conpresp que altera tombamento da praça Vilaboim para derrubar casa à direita da foto, onde se encontra o edifício Danilo Verpa/Folhapress

São Paulo

No último dia 4, o Conpresp, órgão municipal de preservação do patrimônio, votou por modificar a resolução de tombamento da praça Vilaboim, em Higienópolis (região central de São Paulo), aumentando a altura máxima de construção em três lotes da área envoltória.

Área envoltória é um espaço regulamentado no entorno de um bem tombado de forma a manter sua visibilidade e evitar sua descaracterização.

Moradores da região reagiram, por ora, com um abaixo-assinado. Só após a publicação da ata da reunião, o que deve ocorrer até a sexta (22), correm os 15 dias para recursos.


A modificação foi votada em atenção a um pedido de proprietários dos lotes, interessados em uni-los para erguer um edifício de nove andares. 

Eles foram representados na reunião pelo arquiteto Samuel Kruchin, que fez um estudo para o hipotético prédio.

A resolução original dita a manutenção da volumetria atual. As casas que seriam derrubadas têm dois andares. 

A altura pretendida é equivalente à do edifício Louveira, situado na praça, com fundos para os lotes em questão.

Erguido em 1946 com projeto de Vilanova Artigas (1915-1985), o prédio é um exemplar cultuado do moderno, tombado pelo Conpresp e pelo Condephaat, órgão do estado, em parte por sua implantação. Entre os blocos paralelos que o conformam abre-se um jardim para a Vilaboim.

Um ano atrás, o Conpresp rejeitara o mesmo pedido. Na nova votação, dos nove votos possíveis, seis foram favoráveis ao pedido. Só votou contra a conselheira do Instituto de Arquitetos do Brasil, Mônica Junqueira —dois faltaram.​

À Folha Junqueira afirma ter sido surpreendida pela decisão. No seu entendimento, não houve, em um ano, fato novo a justificar a alteração. 

Entre os favoráveis estão o presidente do Conpresp, o engenheiro Cyro Laurenza, e a arquiteta Mariana Rolim, diretora do Departamento do Patrimônio Histórico, que dá pareceres sobre tombamentos. 

Na primeira reunião, ambos tinham se abstido. Segundo nota enviada pela Secretaria Municipal de Cultura, da qual são servidores, em 2018 “havia dúvidas em relação à proposta, por isso, a abstenção”. Agora, “o voto foi dado a partir do amadurecimento das discussões sobre áreas envoltórias”.

O representante do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Crea), o engenheiro Vitor Chuster, foi um dos que mudaram de voto. Afirma ter sido convencido pela exposição de Kruchin de que “não muda nada na praça”.

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É também o que acha Marcelo Manhães de Almeida, representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e relator do processo, desde 2018 favorável. 

A preocupação dos moradores é que se abra precedente para verticalizar o entorno, ainda cheio de casas. É o caso da roteirista Mariana Verissimo, que mora no Louveira.

“Os moradores não estão impedindo o chamado progresso. É que aqui existe uma área protegida por leis, e essas leis estão sendo alteradas em benefício de quem, se não é do bairro, dos moradores?”

Para Kruchin, não há o que temer. Mostrando à Folha perspectivas de como ficaria o volume atrás do Louveira, argumenta que ali “o que existe de mais notável é a relação entre o edifício e a praça”.

Para ele, esta se manteria, porque da calçada só se vê a frente do jardim do Louveira. Ele questiona o tombamento da Vilaboim. “Todas as praças da cidade têm valor ambiental. Por que esta se destaca?”

Quem responde é Mirthes Baffi, que trabalhou no DPH desde 1977 até se aposentar, há cerca de cinco anos. Autora do estudo de tombamento da praça, fala com paixão sobre o local, que coroa uma subida a partir do Pacaembu. 

Ressalta a forma triangular, “extremamente particular, num traçado urbano que também não é usual, dentro de uma área com uma topografia muito significativa, a topografia de São Paulo, cheia de desníveis”. A manutenção das casas na região, diz, permite uma rara percepção das ondulações típicas da cidade.

Ela afirma que o tombamento da praça visava também preservar o Louveira —o órgão municipal não criou área envoltória para o edifício. No âmbito estadual, a envoltória foi regulamentada em 2015 e inclui os referidos lotes.

Um prédio ali “vai matar a ambiência do Louveira e portanto comprometer de forma irreversível o ambiente tombado”, assevera, frisando que nenhuma área envoltória deveria ser modificada assim. 

“É como tirar a Mona Lisa do museu e colocar no meio de um ambiente cheio de neon, você não vai ver nada.”

Na opinião de Kruchin, não se pode “sujeitar interesses da arquitetura e do urbanismo a interesses pessoais”. Baffi diz que “é tolice” falar em interesse pessoal. “É o da cidade. Eu gosto de passar lá e ver aquele buraco entre os prédios!”

Por causa da área envoltória do Louveira, nada pode ser feito sem a anuência do Condephaat. Kruchin deve retomar em breve a tratativa no órgão, que, em 2018, rejeitou seu pleito e, para revê-lo, requer um novo processo.

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