Projeto de drenagem anunciado pela gestão Covas se arrasta há cinco anos

Obras para conter enchente nunca saíram do papel, apesar de verba federal

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Cozinheira Sonia Domingues Pereira, 52, teve a parede do quarto destruída durante enchente do córrego Perus

Casa da cozinheira Sonia Domingues Pereira, 52, foi construída de forma irregular poucos metros acima do leito do córrego Perus e parcialmente destruída durante enchente Danilo Verpa/Folhapress

São Paulo

O projeto de drenagem do córrego Perus anunciado pela gestão do prefeito Bruno Covas (PSDB) no início do ano se arrasta há pelo menos cinco anos.

Desde 2013, o plano de fazer um parque linear nessa região da zona norte de São Paulo, que inclui obras de drenagem, esbarra em uma série de entraves administrativos que impedem a aplicação de recursos disponíveis para melhorias em um local que sofre com enchentes recorrentes. 

Enquanto sucessivas gestões municipais naufragaram na tentativa de conter as cheias, o córrego Perus tem transbordado com frequência no atual período de chuvas. Desde o início de dezembro do ano passado, o CGE (Centro de Gerenciamento de Riscos) registrou sete alagamentos na região, alguns em dias consecutivos. 

​O episódio mais traumático foi em 18 de dezembro, quando a o córrego transbordou após chuva que, em cinco horas, despejou metade da precipitação prevista para o mês inteiro. A força da água invadiu casas e arrastou o pedreiro Jefferson Gonçalves da Silva, 27, que se arriscou na enxurrada para tentar salvar seu carro estacionado na rua. "Todo mundo gritava para ele sair da água, mas não conseguia mais alcançar o portão de casa", disse sua prima Carla Borges, 27.

 

Da varanda do sobrado que dividia com Jefferson e seu marido, Carla ainda viu o primo tentar segurar em um poste para depois sumir de vez na correnteza. "O corpo foi achado na manhã seguinte", diz ela sobre a primeira morte registrada na capital neste período de chuvas em decorrência das enchentes. 

A família e os vizinhos, que tinham planejado trocar presentes em uma festa de amigo secreto no dia seguinte, desistiram da comemoração. "Nem tivemos Natal aqui", disse a prima.  

A algumas casas perto dali, a aposentada Albertina Leite, 70, se lembra de ver a força da água carregar a máquina de lavar do quintal de sua casa naquela noite. "Só deu tempo de pegar os cinco netos e sair correndo."

Memórias de enchentes anteriores estão presentes pelo bairro, como o trajeto para chegar até o beco onde ficam as casas de Sonia e Albertina. Logo na entrada da favela, restam azulejos no chão de outras três casas que foram arrastadas pela correnteza em outras cheias do córrego Perus. 

A construção de moradias irregulares na beira e, em alguns casos, em cima do córrego, é um dos fatores que transformam em tragédia cada extravasamento de suas águas.

Duas semanas após a enchente devastadora, o prefeito esteve no bairro de Perus para anunciar R$ 200 milhões financiados pelo governo federal para as obras de drenagem. Segundo a gestão, as obras se fazem urgentes para evitar novas cenas de tragédia como a que matou o pedreiro Jefferson. 

O repasse, que prevê também a instalação de um piscinão na Mooca, na zona leste, foi aprovado em agosto, mas a Prefeitura de São Paulo iniciou na segunda semana de janeiro, com cinco meses de atraso, o processo de licitação para contratar a empresa que irá adequar o projeto executivo. 

A licitação para a escolha da empresa que irá reformular o projeto de engenharia ainda não foi concluída, e os envelopes com as propostas de duas empresas que se mostraram interessadas foram abertos na semana passada. Ainda não foi anunciada a vencedora do certame. 

Desde 2013 a prefeitura sabe o que deve ser feito no córrego Perus, segundo projeto datado daquele ano: construção de cinco reservatórios com capacidade para conter 600 mil m³ de água. Na noite do dia 18 de dezembro, choveu o equivalente a 380 mil m³ na região do córrego. 

A construção dos cinco reservatórios, entre outras ações, faz parte do anúncio feito por Covas em janeiro. Essas mesmas obras chegaram a ser selecionadas para receber aporte de R$ 190 milhões do governo federal em 2014, mas o dinheiro nunca foi aplicado.

Com base do anúncio do investimento, mas sem a liberação efetiva da verba, o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) abriu, em 2015, processo de licitação e assinou contrato com um consórcio de empresas no valor de R$ 185 milhões para instalar os reservatórios para contenção de enchentes em Perus. O contrato, porém, nunca foi executado e acabou rescindido pela atual gestão em dezembro último.

Segundo o Ministério das Cidades, a Prefeitura de São Paulo não cumpriu exigências como a apresentação da licença ambiental para liberar a construção. Por isso, a verba nunca chegou a ser repassada. A Secretaria de Obras, responsável pelo contrato, deu a mesma explicação para o congelamento dos recursos.

Como consequência, o contrato com o consórcio vencedor da licitação para realizar as ações antienchente em 2015 foi rescindido. A Secretaria de Obras, porém, só cancelou o acordo três anos depois do cancelamento dos R$ 190 milhões do governo federal, em dezembro do ano passado. A pasta afirmou que se tratou de um acordo amigável.

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No ano passado, o orçamento municipal separou R$ 5 milhões para ações de contenção de enchentes no mesmo córrego, mas, novamente, nenhum centavo foi gasto pela gestão Covas. 

A gestão do prefeito Bruno Covas afirmou que prevê 20 remoções de moradores na revisão do projeto de drenagem do córrego Perus, atualmente em andamento. O projeto original, de 2013, incluía 176 imóveis a serem desapropriados. 

Em relação à ausência de empenho dos R$ 5 milhões previstos no orçamento do ano passado para a drenagem do córrego Perus, a gestão Covas afirmou que a licitação para o projeto de controle de cheias no município ainda está em andamento e, por isso, o dinheiro não pode ser usado.


Processos licitatórios inconclusos também são a explicação dada pela gestão Covas para ter gasto em 2018 47% dos R$ 576 milhões previstos no orçamento para obras de drenagem. Deste montante, apenas R$ 270 milhões foram de fato gastos pela administração em toda cidade. 

Entre as ações realizadas para conter as cheias no córrego Perus, a Prefeitura de São Paulo afirmou que recolheu mil toneladas de lixo durante limpezas realizadas nas margens dos córregos da região entre janeiro e setembro do ano passado. 

A líder comunitária Nadir Balbina da Rocha, 72, reconhece a questão da poluição como mais um entrave para a solução dos problemas das enchentes e afirma que a maior dificuldade é conscientizar a população sobre a importância de não jogar lixo nos córregos. "Fazemos ações educativas, mas não adianta, sempre vejo sofás, móveis e muito lixo despejados no córrego Perus."

Mesmo assim, ela questiona as ações despendidas pela administração quando o córrego transborda, como ocorreu na noite do dia 18 de dezembro. "Trazem colchões, cestas básicas e roupas de doação. Isso não funciona. Essas pessoas precisam de uma moradia digna", diz ela que mantém um serviço de assistência social para crianças no bairro há mais de 30 anos e conta já ter perdido a conta de quantas enchentes já presenciou no bairro.  

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