Descrição de chapéu Tragédia em Brumadinho

Refeitório poderia ser soterrado em um minuto, aponta plano da Vale

Documento mostra seis sirenes fora de mancha prevista de inundação

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rio de Janeiro , São Paulo e Brumadinho

O plano de emergência da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), previa que em caso de colapso da estrutura, a onda de rejeitos e lama da Vale poderia atingir o refeitório dos funcionários da mineradora e a área administrativa em até um minuto. 

O local foi um dos primeiros a serem soterrados na tragédia que completou uma semana nesta sexta-feira (1º). Até agora, as autoridades contabilizam 110 mortos e 238 desaparecidos. 

Parte dos mortos e desaparecidos estavam justamente no refeitório e no prédio administrativo da unidade, instalados dentro da área industrial da mina. 

Conforme a Folha revelou nesta sexta, a Vale sabia antes da tragédia que um eventual rompimento da barragem destruiria suas instalações e poderia gerar uma onda de rejeitos com alcance de até 65 quilômetros do ponto de ruptura. 

A previsão consta do Plano de Ações Emergenciais da barragem (PAEBM), documento obrigatório ao qual a reportagem teve acesso. Nele, a empresa faz um cálculo hipotético da extensão do desastre e elenca medidas de emergência para mitigar os danos. 

A reportagem teve acesso nesta sexta-feira (1º) a uma parte do documento ainda não revelada com mapas onde técnicos calculam a velocidade e o tempo que a onda de rejeito levaria para atingir pontos chaves da região. 

O cálculo é feito com base no pior cenário de desastre possível. No caso de Brumadinho, incluía a possibilidade de o acidente ocorrer em um dia chuvoso e de outras duas barragens vizinhas à que se rompeu também virem a colapso. 

A onda de rejeitos, mostra o estudo, sairia da barragem a uma velocidade máxima de 21,3 km/h (segundo os bombeiros, chegou a 80 km/h). A área administrativa e o refeitório da empresa estão num setor distante cerca de dois quilômetros da barragem, onde a lama chegaria em até um minuto. Naquele ponto, a velocidade de chegada dos rejeitos seria de 15,2 km/h.

Ainda no cenário calculado, a onda atingiria a região onde estava a pousada Nova Estância, que ficou completamente destruída, em até quatro minutos. O instituto Inhotim seria atingido em 1h25 (o que não ocorreu). O rio Paraopeba, a 26,1 km da barragem, seria tomado 3h18 após o rompimento.

Imagens divulgadas nesta sexta pela TV Bandeirantes e pela Globonews mostram o momento do colapso da barragem, enquanto funcionário da mineradora tentam sem sucesso escapar a pé ou em veículos da pilha de rejeitos. 

O mapa ainda mostra que havia seis sirenes de emergência instaladas no entorno do complexo da mina. Elas não soaram, como admitiu o próprio presidente da Vale, Fábio Schvartsman, justificando que os equipamentos de alerta teriam sido 'engolfados' pela lama de rejeitos. 

No cenário simulado pela Vale no plano de emergência, contudo, todas essas sirenes estavam fora da área que seria inundada em caso de sinistro. Havia seis delas no mapa. Nenhuma delas, das mais próximas da estrutura às mais distantes, tocou no momento da tragédia. 

Uma falha identificada no plano de emergência é que a lista dos contatos telefônicos das autoridades a serem avisadas em caso de rompimento estava desatualizada. 

O contato apontado como responsável pela Defesa Civil municipal é o de Gislene Parreiras. O telefone fixo está correto, mas o celular que aparece retorna como inexistente. À Folha, Parreiras disse que aquele celular nunca foi o seu.

O celular apontado como do prefeito de Brumadinho, Avimar de Melo, é, na verdade, do secretário de Governo, Ricardo Parreiras. Ele diz que seu telefone não tocou no momento da tragédia. "Eu fiquei sabendo por um funcionário que trabalha conosco na prefeitura. O plano de emergência deles não foi acionado", diz.

O telefone da Defesa Civil Nacional está correto, mas a pessoa responsável que consta do plano deixou o cargo no início do ano. O mesmo ocorre com o responsável pelo DNPM em Minas Gerais, substituído em razão da posse do novo governo federal.

Para Moacyr Duarte, especialista em gerenciamento de risco, a presença de estruturas com funcionários no caminho da onda de rejeito aponta que, do "ponto de vista prático, a possibilidade [de ruptura] jamais foi considerada".

No vídeo divulgado nesta sexta é possível ver que o operador de uma máquina ainda tenta se afastar do local com o equipamento, fica cercado pela lama, tenta fazer uma volta e é alcançado pelo rejeito em seguida e some. 

"Essa imagem mostra claramente que as rotas de fuga rapidamente se esgotaram. Como aquele pátio não tem uma alternativa para evacuação de pessoas e máquinas? Em 46 segundos toda a área é coberta pelo rejeito", disse. 

Segundo ele, o refeitório, o prédio administrativo e o pátio de manobra não deveriam estar na parte baixa do vale, à jusante da barragem.

Para Rafaela Baldí, que publicou um livro chamado Manual para Elaboração de Planos de Ação Emergencial, a princípio, não há problema em ter estruturas próximas da barragem. "Eu, quando faço esse tipo de plano, recomendo a retirada dessas estruturas. Tem empresa que opta por manter. Mas quando ela faz isso, tem que ter muita certeza da gestão do plano de evacuação, porque ela assume o risco, chama a responsabilidade para ela", diz. 

Mas acredita que, mesmo com um plano de evacuação eficaz, um minuto não é tempo suficiente para esvaziar um refeitório com 300 pessoas.

Outro Lado

A Vale afirmou nesta sexta que todas as suas barragens possuem um plano de emergência, construído com base em estudos técnicos de cenários hipotéticos para o caso de colapso, que prevê qual a mancha de inundação e qual a zona de segurança.

Segundo a empresa, o plano da barragem 1 da mina do Córrego do Feijão foi protocolado na Prefeitura de Brumadinho e nas defesas civis municipal, estadual e federal entre julho e setembro de 2018. 

"A estrutura possuía todas as declarações de estabilidade aplicáveis e passava por constantes auditorias externas e independentes. Havia inspeções quinzenais, reportadas à Agência Nacional de Mineração, sendo a última datada de 21/12/2018. A estrutura passou também por inspeções nos dias 8 e 22 de janeiro deste ano, com registro no sistema de monitoramento da Vale. Toda essa documentação sempre esteve e continua à disposição das autoridades", diz comunicado da empresa.

A Vale afirma que a barragem 1 possuía sistema de vídeo-monitoramento, sistema de alerta através de sirenes e que a população próxima da estrutura estava cadastrada. Segundo a empresa, houve um simulado de emergência com a população em 16 de junho de 2018 e com os funcionários em 23 de outubro.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.