O primeiro prefeito a apostar num grande plano envolvendo corredores de ônibus para tirar os paulistanos do meio do trânsito foi Olavo Setubal (Arena), que administrou São Paulo entre 1975 e 1979.
Durante a gestão dele, foi lançado um plano que previa 280 km de corredores para ônibus elétricos, com linhas ligando os quatro extremos da capital e cidades vizinhas. O primeiro a ficar pronto foi o da avenida Paes de Barros, na Mooca (zona leste), em 1980.
Setubal morreu em 2008 sem ver a meta traçada para o transporte perto de ser concretizada —a cidade tem perto de 130 km vias exclusivas para ônibus.
O ritmo de entrega de obras do tipo, hoje, é menor do que nos anos 1980. Nos últimos 10 anos, a Prefeitura de São Paulo só instalou, em média, 1 km por ano de corredores —quase 90% menos do que na década anterior, quando foi construída a maioria da malha da cidade. E desde 2016 nenhum novo trajeto é entregue.
Muito mais baratos que o metrô e mais rápidos que as faixas exclusivas à direita, os corredores à esquerda são vistos por especialistas como um meio eficaz para diminuir o tempo nos deslocamentos pela metrópole.
O último novo corredor entregue na capital foi o da avenida Luís Carlos Berrini (zona sul), em 2016, na gestão de Fernando Haddad (PT). A via tem 6,6 km, metade deles completada em 2018 pela gestão Bruno Covas (PSDB).
A atual administração dá sinais de ter abandonado a meta estabelecida por João Doria (PSDB), de 72 km deste tipo de via, batizado pelo tucano em campanha como “Rapidão”.
No ano passado, Covas gastou apenas 5% do valor destinado aos corredores —R$ 23,6 milhões de R$ 501,3 milhões orçados.
O Diário Oficial está apinhado de decretos em que o sucessor de Doria transfere para outros fins o dinheiro reservado para as vias voltadas aos coletivos. Neste mês, por exemplo, o prefeito remanejou mais de R$ 12 milhões dos corredores para para obras de reforma do autódromo de Interlagos (zona sul), que ele pretende passar à iniciativa privada.
Nas últimas quatro décadas, sucessivos administradores só conseguiram entregar, em média, 3 km de corredores à esquerda por ano. O ritmo é apenas um pouco maior do que o do metrô paulistano, conhecido pelo passo de tartaruga nas obras, na casa de 2 km por ano.
A maioria das vias do tipo existentes na cidade foi entregue na gestão petista de Marta Suplicy, entre 2001 e 2004 —um total de 71,3 km.
Sob Covas/Doria, foram inaugurados apenas 3,3 km de extensão de um corredor já existente, o Berrini. Para cumprir a meta da atual gestão nesse ritmo, seriam necessários mais de 40 anos.
O descaso com esta alternativa ocorre em momento que a cidade tenta dar um grande passo para reestruturar todo o seu sistema de ônibus, por meio de uma licitação bilionária.
A concorrência impõe exigências tanto sobre os ônibus —incentivando a presença de ônibus articulados e biarticulados, ideais para os corredores— e reorganiza as linhas. Diminuir o tempo de espera e dos trajetos é um dos objetivos.
“Temos 4.500 km de vias utilizadas pelo sistema ônibus, mas apenas 130 km de corredores. A gente pega esses veículos que custam mais de R$ 1 milhão e coloca para andar com automóvel, caminhão de entrega, patinete”, diz o presidente do SPUrbanuss (sindicato que representa as empresas), Francisco Christovam.
Sucessivas gestões têm culpado a falta de dinheiro e repasses federais para concretizar obras como corredores. Sem entregar 150 km de vias à esquerda prometidos, Haddad requalificou alguns existentes e fez 423 km de faixas exclusivas à direita —muito mais baratas, mas que são vistas por especialistas como paliativas, devido à interferência de automóveis que invadem a faixa nos cruzamentos.
Para o consultor na área de transportes Flamínio Fichmann, o investimento em obras de corredores pode ser também questão de prioridade de cada gestão. “Até o dinheiro das multas, que deveria ser revertido para mobilidade, está sendo gasto com tapa-buraco. É uma política imediatista e mal concebida”, diz. “Estamos perdendo a batalha do transporte coletivo para o transporte individual”.
Essa batalha a funcionária pública Maria das Graças Romão Xavier, 61, perde todos os dias. Sem corredores na maioria de seu trajeto, ela diz que chega a passar até seis horas diárias no trajeto entre o centro e o Jardim Imperador, bairro periférico da zona leste.
“O trânsito é muito grande no horário de pico. Quando dá tudo certo, consigo fazer em duas horas para ir e outras duas para voltar”, diz ela.
O operador de telemarketing Leandro Vieira, 20, relata sentir uma grande diferença quando faz o trajeto entre o trabalho no centro e sua casa, na região do Brooklin (zona sul), usando veículo que vai pela via exclusiva. “Gasto uma hora no trajeto com o corredor. Se pegar uma linha que não vai pelo corredor, leva pelo menos mais meia hora”, diz.
De acordo com ele, porém, em determinados dias nem mesmo o espaço segregado salva. “Depende do dia, os ônibus ficam parados de qualquer jeito”.
A velocidade dos ônibus nos corredores exclusivos teve em 2017, último ano divulgado, o pior desempenho desde 2014, quando o cálculo passou a ser feito com a metodologia atual.
Para o consultor em transporte Horácio Figueira, a autorização para taxistas usarem corredores é um dos pontos que atrapalha a performance deste tipo de via.
“Permitir que transporte individual atrapalhe os ônibus é uma aberração”, diz. “O congestionamento de automóveis é inevitável, vai ser cada vez pior. Mas o congestionamento de ônibus é imperdoável”.
Outro ponto apontado é a baixa qualidade dos corredores existentes.
Os BRTs, modelo mais moderno, têm área para ultrapassagem e a cobrança é feita em estações, o que agiliza o embarque.
Implantado pela primeira vez em Curitiba, na década de 1970, este modelo virou internacional. Em São Paulo, porém, apenas cerca de 10 km seguem este modelo.
A gestão Covas informou que está priorizando a manutenção dos corredores existentes “uma vez que muitos deles estão esburacados por terem sido feitos sem o devido preparo para que pudessem receber veículos pesados”.
De acordo com a administração, a mudança de foco em relação à entrega de novos kms será contemplada na revisão do plano de metas.
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