A difícil tarefa de entrevistar a mãe de um assassino adolescente

Jornalista conta como conseguiu falar com familiares de atirador de atentado em escola de Suzano (SP)

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Lavanderia da casa de Guilherme Taucci Monteiro, um dos atiradores de atentado em escola de Suzano - Fernanda Mena / Folhapress
Suzano

Soube que dois jovens haviam aberto fogo contra estudantes e funcionários da escola Professor Raul Brasil ao receber uma mensagem de celular com um link e a pergunta: “Você pode ir para lá?”.

Sob o impacto da notícia, era impossível não pensar na dor e no trauma de famílias e sobreviventes. Neste exercício de imaginação, o lugar que me pareceu mais difícil foi o dos pais dos meninos que haviam protagonizado o massacre e também estavam mortos.

Nunca ouvi falar de alguém que criasse um filho para ser morto ou para matar. Muito menos as duas coisas juntas. Pensei nas minhas filhas. Aquilo dava arrepios.

No percurso de mais de uma hora até a escola, li tudo o que podia do noticiário, entrei nos perfis das redes sociais de Guilherme Taucci Monteiro, 17, e Luiz Henrique de Castro, 25, e li algumas das já centenas de mensagens de ódio postadas. 

Tempo esgotado.

Na aglomeração em torno da escola, busquei por sobreviventes e funcionários da escola num mar de curiosos, repórteres e equipes de TV. Eles já não estavam mais por ali.

Encontrei uma menina que chamarei de Maria, 17. Ela contou como havia sido pisoteada na correria do salve-se quem puder, e exibiu escoriações na cabeça e nos braços.

Mostrou uma foto que havia tirado com “a tia” da escola às 9h06 daquela manhã, apenas meia hora antes de a inspetora Eliane Xavier ser morta. 

Chorou ao falar do amigo Cleiton Ribeiro, 17, que havia sido visto por um colega com um ferimento a bala no peito. 

E então contou que conhecia Guilherme de vista. Disse que ele era do tipo quietão e que frequentava uma LAN house no bairro.

Peguei o nome do lugar, descobri o endereço e fui para lá. 

Na porta, havia uma equipe de perícia da Polícia Civil. Estavam de saída, levavam uma CPU e disseram não ter informações para passar.

A editora de Cotidiano, Luciana Coelho, me procurou pedindo que investisse num perfil dos assassinos.

Entrevistei os jovens frequentadores e atendentes da LAN house e troquei figurinhas com um colega da TV Record, que me deu carona até a rua onde Guilherme e Luiz moravam.

LAN House que Guilherme Taucci Monteiro e Luiz Henrique de Castro visitavam para jogar videogames de tiro - Fernanda Mena/Folhapress

Na chegada, um homem saía pelo portão de madeira da casa da família de Guilherme. Eu me identifiquei e  disse que gostaria de ouvir alguém da família.

Ele balançou a cabeça, e disse que era difícil comentar qualquer coisa. Era o tio, e concordou em levar meu pedido à mãe do adolescente.

Ao me ver de conversa, uma repórter se aproximou, seguida pelo câmera. Com o microfone na mão e uma expressão de sofrimento, perguntou: “Mas o que foi que aconteceu? Conta pra gente.”

O homem abriu o portão e eu deslizei para o lado de dentro junto a ele, que passou a chave e gritou: “Ô, Tati, tem uma repórter aqui querendo falar com você.”

A casa, encortiçada, tinha sido dividida em duas. A entrada principal original estava do outro lado do muro. Por uma abertura improvisada, de frente para o corredor lateral, surgiu Tatiana Taucci, 35, de vassoura nas mãos.

Ela olhou para mim, anunciou que não falaria com ninguém, e voltou para a varrição. Na beira da porta, um senhor fumava um cigarro.

Como insistir num caso desses? Quando desistir? Fiquei ali parada, pensando.

Jornalismo, entre muitas coisas, é um exercício de perseverança, respeito e sorte.

Minha estratégia, muitas vezes falha, é abrir o jogo. Disse que achava importante ouvir as famílias dos meninos, saber como eles eram em casa. 

“Era um menino muito tranquilo”, disparou o senhor, que depois disse ser o avô que o criou desde pequeno.

Tatiana surgiu de novo, agitada, e reiterou sua negativa. 

Achei que era caso perdido, e iniciei um pedido de desculpas por ter perturbado aquela família, cuja dor me parecia tão dura e complexa.

Foi a senha, e Tatiana voltou para dar seu depoimento, permeado por longos silêncios e por lamentos que repetia como mantras. 

“Ai, meu filho! Por que você foi fazer uma coisa dessas?”,  “E meu irmão? Como vou falar com a minha cunhada?”, “O que vai ser da minha vida?”. 

Perguntei se poderia conhecer o quarto do menino. “Só não repara a bagunça.”

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Quarto de Guilherme Taucci Monteiro, um dos atiradores de atentado na Escola Estadual Professor Raul Brasil em Suzano (SP) - Fernanda Mena/Folhapress

Passamos pela cozinha e atravessamos uma área de serviço pequena, úmida e entulhada para chegarmos ao cômodo sem janelas. 

Ele não deixou nenhuma carta? “Nada”, disse ela, revirando os papéis da mesa. Ao ler um envelope, perguntou: “O que é Mercado Livre?”.

A polícia ainda viria a descobrir que as armas brancas usadas pela dupla no crime tinham sido compradas no popular site de vendas.

Fomos para a sala, onde o avô e a tia, que amamentava uma bebê , assistiam aos programas policiais da tarde.

Eram 18h quando saí pelo portão. Tentei falar com a família de Luiz, sem sucesso. 

Não havia tempo para ir à Redação da Folha, e optei pela LAN house onde, até outro dia, Guilherme e Luiz gritavam palavrões durante partidas de videogames de tiros.

Tive pouco mais de uma hora para redigir o texto em meio a jovens que choravam abraçados, se indignavam, ou apenas jogavam.

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