Diz o clichê que, no Brasil, é Carnaval o ano inteiro. Mas, por baixo da fantasia sisuda, a Europa não fica lá muito atrás, com cortejos musicais, desfiles de carros alegóricos e bonecos gigantes, além de batucada importada dos trópicos, que se espalham pelas quatro estações.
É certo que, também por aqui, a folia momesca atinge seu auge nos dias que antecedem o início da Quaresma. Há festas, porém, que começam bem antes, como em Colônia (Alemanha), onde a temporada se abre às 11h11 do dia 11 de novembro, com apresentações de fanfarras.
Já em Dunquerque, no extremo norte da França, as celebrações vão de janeiro a abril e têm como ápice, no domingo de Carnaval, a "batalha de arenque", durante a qual, o leitor terá adivinhado, voa peixe para todo lado.
Do outro lado do canal da Mancha, no fim de agosto, no auge do verão, ingleses e expatriados se apinham nas ruas de Notting Hill, em Londres, para curtir um ziriguidum de inspiração caribenha.
Ainda mais ao norte, em Helsinque (Finlândia), é mesmo o samba brasileiro que embala os foliões. Carioca e Maracanã são algumas das escolas de samba locais que desfilam pelas ruas da capital.
"Há elementos recorrentes nos festejos da Europa, como a presença de sinos para convocar os mortos e de cornos e peles de animais para aludir à bestialidade, além da relação com sexo e gênero e da ideia de um transe", diz Clémence Mathieu, diretora do Museu da Máscara e do Carnaval, em Binche (Bélgica).
Na cidade, acontece o tradicional desfile dos "gilles", versões locais do clóvis/bate-bola do subúrbio carioca.
No jogo de disfarces, explica Mathieu, o "outro" que se encarna por algumas horas às vezes é judeu, turco ou cigano --um "estrangeiro" que entra na brincadeira como selvagem e sai dali "domado", aclimatado à civilização.
"Sim, a relação com esse outro pode assumir traços xenofóbicos. Mas o Carnaval é um momento de expiação, uma terra de ninguém", relativiza. "O problema é que hoje não se pode dizer ou fazer nada sem criar polêmica. Devemos deixar o Carnaval fazer o que ele faz porque isso permite o bom funcionamento da sociedade no resto do ano."
Como no Brasil, os festejos europeus vêm recuperando sua vocação popular ao longo dos últimos 20 anos.
"Talvez as pessoas estejam precisando se soltar, relaxar, esquecer as preocupações do mundo", palpita Françoise Dallemagne, cocuradora de uma exposição sobre o Carnaval realizada em 2014 na França e na Bélgica. "Mas há também o aspecto financeiro: as comemorações em cidades como Veneza e Colônia atraem milhares de turistas."
Tanto é assim que, em Nice (sul da França), surgiu uma folia "off", para oferecer uma alternativa aos abarrotados desfiles de carros alegóricos e batalhas de flores da avenida chique à beira-mar, uma espécie de Sapucaí da Côte d'Azur. Nos bairros populares, saem os lírios e dálias atirados à multidão e entram ovos e farinha.
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