Gestão Covas loteia cargos em empresas entre PRB e religiosos

Folha de pagamento paralela em prestadoras de serviço tem pastor, parentes e frequentadores da Universal

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São Paulo

A secretaria da Habitação da gestão Bruno Covas (PSDB) em São Paulo utiliza empresas que têm contratos de até centenas de milhões de reais com o município para lotear cargos para aliados políticos e parentes de dirigentes políticos e servidores comissionados. 

A pasta é chefiada por Aloisio Pinheiro, do PRB, ligado à Igreja Universal. Ele assumiu o posto neste ano, mas, desde março de 2018, era adjunto da pasta com orçamento que beira meio bilhão de reais e mantinha influência sobre cargos. Em janeiro, em um arranjo político do prefeito para se aproximar da bancada religiosa, o PRB ganhou controle total da secretaria. 

Os cargos comissionados, tradicionalmente, são ocupados por aliados da sigla que comanda a pasta, algumas vezes mesmo sem experiência na área. No caso da habitação, porém, a ocupação vai além. 
Em uma espécie de folha de pagamento paralela, via empresas contratadas para realizar obras e apoio técnico, estão militantes do partido, fiéis da igreja e pastor. Há também parente de dirigente partidário e de servidor. 

A gestão Covas nega influenciar as contratações. No entanto, documentos internos afirmam que "contratações já chegam para o RH aprovados pela Sehab (Secretaria de Habitação)" e citam "solicitação de gabinete". 

A Folha obteve a lista de funcionários contratados como "corpo técnico especializado" por meio da Lei de Acesso à Informação. Embora em tese essas funções sejam temporárias, esses funcionários têm crachá e podem chegar a trabalhar vários anos na pasta. 

Datado de dezembro, o documento traz cerca de 300 nomes, embora haja algumas duplicidades e funcionários que deixaram o cargo. Fazendo um pente-fino, a reportagem encontrou casos casos como a da irmã do presidente estadual do PRB, o pastor da Igreja Universal Sérgio Fontellas, Karla Fontellas. Ela foi admitida como assistente social em julho, meses após o ingresso do PRB na habitação. 

Aloisio Barbosa Pinheiro, secretário de habitação de São Paulo, no edifício Martinelli
Aloisio Barbosa Pinheiro, secretário de habitação de São Paulo, no edifício Martinelli - Divulgação/Prefeitura de São Paulo

Também fiel da igreja, Karla foi contratada pela empresa Gomes Lourenço para atuar em obras na prefeitura em áreas de mananciais. A assessoria de imprensa do pastor foi acionada, mas, após questionamentos, parou de atender. 

Outras duais fiéis da igreja e próximas da liderança do PRB, Luciana Cereser e Natália Garbini, foram contratadas pela empresa Simétrica, aponta a listagem da prefeitura. Ambas como assistentes, função que normalmente não se enquadra como corpo técnico. Neste ano, Luciana alçou voos mais altos e virou assessora do deputado federal Vinicius Carvalho (PRB). Nas redes sociais, como local de trabalho, ela ainda mantém "Igreja Universal". 

O atual chefe de gabinete da secretaria, Ceme Suaiden Junior, também do PRB, passou no ano passado por uma dessas prestadoras, a construtora Villanova. 

A mesma prestadora contratou o pastor Lucas Torralbo como auxiliar. Ele disse à reportagem ter mandado currículo e nega indicação política. "Eu nem sou do PRB", diz o homem, que em suas redes sociais postou uma foto de si mesmo apontando para um banner do partido. 

Torralbo deixou o serviço na prefeitura e foi trabalhar com o então deputado estadual José Bittencourt, do PRB, que não se reelegeu.  

Relações políticas não são as únicas no caso das prestadoras de serviço. Há situações em que parentes de servidores comissionados atuam nas duas pontas, diz quem vive o dia a dia na pasta. 

Filha de uma diretora da secretaria, Maria José do Prado, a arquiteta Mariana do Prado, por exemplo, foi contratada pela empresa Diagonal, que atende à pasta. Maria José nega que a filha prestasse serviços à prefeitura neste contrato. A reportagem encontrou, no entanto, uma folha de ponto com o nome dela e a prefeitura como cliente. 

A Diagonal confirmou a situação, e disse que a arquiteta foi desligada após a relação de parentesco ter sido descoberta, quase dois meses depois.

Falando hipoteticamente, o advogado especializado em direito do servidor Jean Ruzzarin afirmou que situações assim podem vir a ser enquadradas como nepotismo. 

Ele afirma também que, se ficar comprovado que a prefeitura escolhe os funcionários, há burla de concurso público, o que pode dar origem a uma ação de improbidade.

Parte importante das indicações se refere a assistentes sociais. Nesta semana, a prefeitura rejeitou o pedido de chamado de 40 pessoas que passaram no concurso nesta área.

O gasto com esses funcionários também não consta como custeio, o que ocorre normalmente com mão de obra. É contabilizado como investimento, dinheiro usado para obras. 

Na administração pública, quanto mais investimento, maior a avaliação de eficiência de uma gestão. A prefeitura investiu, em 2018, cerca de 4% do que gastou. Na pasta de Habitação, esse percentual é de 41%, o que não representa a realidade sobre os investimentos.

O cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV, afirma que pastas como a habitação são disputadas entre partidos, devido à grande quantidade de verba. No caso da relação com as empresas, é preciso ter atenção. "Principalmente quando tem um prestador de serviço que é muito próximo daquele que contrata", diz. "Essas pessoas são realmente adequadas para o cargo?". 

OUTRO LADO 

A Prefeitura de São Paulo afirmou que não interfere no processo de contratação das prestadoras de serviço, que "preencherem as vagas de trabalho em seus quadros funcionais em conformidade com a demanda dos serviços". 

No caso de Mariana do Prado, a prefeitura afirmou que ela "parte do quadro de servidores da Sehab".
A pasta sustenta que os funcionários não têm vínculo direto e que quem atesta seus horários são as próprias empresas. 

"Os serviços são contratados de forma contínua, considerando as diversas intervenções por todo o território do município que está vinculado diretamente à pessoa jurídica, por meio da empresa responsável pela contratação de funcionários capacitados", diz a prefeitura em nota. 

A gestão ressalta que as empresas fazem apoio social a intervenções municipais.

A Igreja Universal afirmou que não tem conhecimento e ingerência sobre as contratações.

Entre as empresas citadas, apenas a Diagonal respondeu. Afirmou seguir processo de contratação baseado em busca de currículos para descrição de cargo e entrevistas.

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