Dona Myriam adorava declamar poemas e tinha o extenso “O Elefante”, de Drummond, na ponta da língua. Com o passar do tempo foi esquecendo alguns trechos, mas lá estava o filho Laércio para complementar o restante.
Escrevia tal qual uma poeta, mas dizia que já existiam muitos poemas no mundo: escrevia os seus e rasgava alguns.
O dia de seu aniversário era um grande evento em Itabira, Minas Gerais. Preparava uma autêntica feijoada —com orelha e tudo— regada a muita cerveja, é claro. Com muita cantoria e dança, em algum momento da festa, pegava seu copo e seu cigarro e começava a declamar.
Laércio, seu marido, foi buscá-la em Conselheiro Lafaiete, interior de Minas. Um dia, passeando pela cidade, avistou Myriam na sacada de casa. Ela tinha longas tranças negras, e o mineiro não resistiu.
Em Itabira, ficou viúva cedo, aos 36 anos. Até a morte do marido, Myriam cuidava da casa. “Ela contava para os netos que teve que ‘vestir as calças’”, conta a neta Rachel. Foi à luta e começou a estudar letras, tornando-se professora de português e literatura.
Myriam era bastante ligada aos netos e fez questão de deixar o tanto de poesia que respirava para eles.
Uma vez, quando as quatro netas tiveram piolhos ao mesmo tempo, a avó comprou o remédio e cuidou das meninas a tarde inteira. O episódio rendeu o carinhoso poema “As princesas que coçam cabeças”.
Passou o último Carnaval com o tio no interior, comeu um bom torresmo e não deixou de levar um cento de pastéis —sem contar o de angu, uma de suas especialidades.
Morreu no último dia 15, aos 89, por falência de múltiplos órgãos. Deixa quatro filhos, cinco netos e dois bisnetos.
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