Participante do MasterChef Júnior acusa professora de injúria racial em escola de SP

Aisha Carolina, 13, também diz ter sido alvo de comentário racista de outra criança do reality show

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Aisha Carolina, 13, participante do MasterChef Júnior, que sofre com racismo Zanone Fraissat/Folhapress

São Paulo

Nem os dotes culinários nem a fama que faz Aisha Carolina dos Santos, 13, posar para fotos na rua desde que participou do MasterChef Júnior, reality show gastronômico exibido na Band em 2015, impediram a menina de ser alvo de racismo na escola. Ouviu de uma professora: “uma pessoa da sua cor não podia estar fazendo bagunça”.

O comentário foi feito aos berros, na frente de outros alunos da Escola Municipal Chico Mendes, no bairro vizinho ao que a menina mora, no Parque Savoy City, zona leste da capital paulista.

Aisha diz que foi com mais duas meninas buscar bolas para dar início à aula de educação física. As colegas, no entanto, a prenderam em uma sala.

Ela fez força e empurrou a porta, mas, quando se desvencilhou da peça pregada pela dupla, veio o grito da professora recém-saída da turma de ensino infantil, que seguiu perguntando seu nome.

“Aisha”, respondeu a menina. “Ainda mais com um nome desse, fazendo bagunça na escola”, esbravejou a mulher baixinha, loira e de olhos azuis, antes de voltar à aula. Aisha é um dos nomes árabes mais disseminados no mundo. 

“Fiquei sem reação quando ela falou”, diz a menina, que nunca ficou de recuperação —sua disciplina preferida é ciências.

Do professor de educação física, ouviu que não deveria ir à diretora, já que “isso vai dar muita dor de cabeça”. Ela foi. O conselho? “Você não precisa fazer isso, ela é mãe de família, tem dois filhos."

A professora ensaiou um mea-culpa: “Eu estava falando de empoderamento com você. Só falei naquele tom porque estava brava com o barulho. Mas adoro negros”, disse, segundo Aisha.

O episódio aconteceu no fim de outubro do ano passado, e a menina não mais viu a docente pela escola. Aisha, no entanto, virou alvo de outros professores, que se dividiam entre o apoio e o “não era para tanto”. Ela trocou de colégio no novo ano letivo.

O caso foi registrado como injúria racial e está sendo investigado em inquérito policial. A Diretoria Regional de Educação também abriu um processo interno para apurar a denúncia. A professora não foi afastada, já que o órgão diz aguardar o andamento da apuração para tomar as providências cabíveis.

“Quero que ela pare de dar aula. Fui até a delegacia para dar exemplo à minha filha”, diz a mãe da menina, a cabeleireira Maria Roseane Santos, 38.

Aisha se lembra de outro momento em que sofreu discriminação por sua cor na escola. Aos 10 anos, na escola particular em que estudava, o preconceito veio da colega de classe: “ela me chamou de ‘neguinha, macaquinha’, na frente de todos da sala”. Aisha não contou nada para a professora nem para a mãe. “Mas eu lembro, eu chorei depois.”

Durante o MasterChef Júnior, foi vítima de racismo novamente. Na época, ela tinha 9 anos. Um dos meninos participantes, então com 11, “falou que eu só estava lá porque eu era negra, que era uma cota”. “Eu tinha feito todos os testes iguais a ele para passar. Não estava lá porque eu era negra”, diz Aisha. 

Aisha Carolina, 13, participante do MasterChef Júnior, que sofre com racismo - Zanone Fraissat/Folhapress

Depois do comentário, ela aparece num dos episódios chorando no mezanino (local do estúdio para onde vão aqueles que vencem as provas de melhor receita). Indagada pela apresentadora o motivo do choro, Aisha responde que está com sono. “Mas não… eu nem gosto de falar sobre isso”, diminui o tom de voz.

No programa seguinte, ela desanimou, não queria mais cozinhar. Foi dos elogiados pratos de linguiça artesanal com purê de mandioquinha e abobrinha salteada, costelinha com molho barbecue artesanal e peixe com manga grelhada a um cuscuz no qual ela não colocou nada, conta Rose. Acabou eliminada, no sexto episódio e na metade do caminho até a final.

A menina aprendera a cozinhar se enxerindo na bancada da casa da mãe, na periferia paulistana. Começou incumbida de fazer o suco para a família aos 5, depois pulou para o purê, a massa, a sobremesa. Daí para arriscar um Grand Gateau foi muito vídeo no YouTube. “Ao invés de ver desenhinho, ela via aulas de culinária”, conta Rose. O talento, elas arriscam, talvez venha da avó, doceira.

A primeira e única temporada do programa reunindo crianças ficou marcada pelos comentários de teor sexual direcionados a uma das participantes, uma criança de 12 anos. O episódio inspiraria, em seguida, a campanha #PrimeiroAssédio da ONG Think Olga, em que outras mulheres relataram nas redes sociais suas experiências com a violência sexual ainda na infância.

Quando deixou o reality, Aisha emendou outros trabalhos. Fez comercial de boneca, foi convidada para workshops e cursos, feiras gastronômicas e participação em desenhos infantis. Apresentou ainda “A Cozinha Mágica”, no Discovery Kids, onde ensinava pratos fáceis para crianças.

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