Descrição de chapéu Alalaô

Périplo de bloco em bloco por SP tem filas, chuvas e desencontros

Doze horas de folia incluem desinformação, banheiro cheio, temporal e R$ 178 gastos em transporte

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São Paulo

Após ter passado a adolescência acostumado com bailes noturnos em salões fechados, que cobravam pela entrada de foliões, tenho observado ano a ano o Carnaval de rua de São Paulo se fortalecer.

O que mais espanta a um indivíduo do século passado é a atual capacidade do povo de pular no período matutino. Mas essa é uma das consequências de a festa ter ido para a rua: ele precisa aproveitar a luz do dia. E, em vez de acontecer entre 22h e 6h, agora a festa começa às 9h e vai até o início da noite.

Acordar com despertador para curtir o Carnaval me parece um contrassenso, mas é preciso encarar outros percalços sem perder o humor. Muitas informações não batem, a chegada e saída dos blocos é complicada, há fila nos banheiros químicos e chuva, que tem conseguido estragar algumas festas.

Foi o que vi no sábado (2), quando executei a missão de passar o dia todo pulando no asfalto. A coisa começou mal. O Berço Elétrico, bloquinho para bebês, aconteceria na praça Rotary, no centro, às 9h. Isso dizia o site da prefeitura. Cheguei lá na hora marcada e não encontrei ninguém.

Reportagens na internet corrigiram a informação —não era no centro, mas sim no parque Burle Marx, a 18 km de distância, que eu deveria estar. Toca para o segundo Uber do dia.

Lá na parte rica da zona sul, a molecada tinha duas bandas à disposição. Uma delas executava 
“O Que É Que Tem na Sopa do Neném?” enquanto os papais rebolavam com crianças no ombro. Os filhos, vestidos de super-heróis, pareciam mais interessados em fazer fila para tirar foto com a Peppa Pig.

Na verdade, havia muito mais adultos do que crianças. Cada uma arrastou um pai, uma mãe, duas tias e uma avó, em média. Alguns tios se arriscavam a um chope artesanal, mas eram raros. Eu, defensor das minorias, me juntei a eles e comecei os trabalhos por volta das 10h. O dia está lindo e ensolarado.

A banda estava em um palco, e duas enormes tendas serviam de apoio para as mamães (uma para troca de fraldas, outra para amamentação). Apesar da fofura toda, aquele não era um bloco, pois não se movia. Faz sentido, já que alguns minifoliões se refestelavam em berços.

O próximo escolhido foi o Bollywood, na região central, organizado pela comunidade indiana em São Paulo. Estava exótico como prometia, cheio de sarongues, turbantes e batas. No alto do trio elétrico, o mestre de cerimônias dava gritos de ordem com o sotaque de Mumbai: “Agora vamos ândar o carro de som” ou “Que cores! Que festa maravilhóóóso!”.

O pessoal entrou no clima. Todos dançavam no estilo do país, levantando e chacoalhando as mãos, puxados por um batalhão de indianas finamente montadas e maquiadas.

Ali na rua Augusta me surpreendi positivamente com as barraquinhas da Skol, patrocinadora oficial do 
Carnaval de São Paulo. As cervejas estavam (sempre) geladas, não vencidas e tabeladas. Uma saía por R$ 5; três por R$ 10. Com guarda-sóis amarelos, é fácil encontrá-las em qualquer lugar.

De lá fui conhecer o Tarado Ni Você, um dos megablocos da cidade. Iniciando na esquina da São João com a Ipiranga e terminando no Theatro Municipal, a festa é enorme, o que atrapalha bastante. Não dá para chegar perto dos caminhões de som e às vezes você nem ouve o que está tocando.

Por isso, o clima aqui é outro. É curtir com seu grupo de amigos. A galera é animada e liberal, muita gente se diverte quase pelada e não há homem que não esteja fantasiado de mulher.

Por volta das 15h30, chego no que eu mais queria, o bloco 77, Os Originais do Punk. É na rua Simão Álvares, em Pinheiros, mas o número divulgado está quatro ou cinco quarteirões errado. Encontro vários roqueiros perdidos pelas ruas da Vila Madalena, em busca do local correto.

A busca vale a pena. Com um violão elétrico no meio da bateria, o grupo puxa clássicos do punk nacional, como “Pânico em SP”, “Papai Noel Velho Batuta” e “Surfista Calhorda”. Alternando com essas, marchinhas como “A Cabeleira do Zezé” e “Coração Corintiano” ganham novas letras, citando palavras de ordem do movimento ou frases antibolsonaristas.

Uma chegadinha ao banheiro químico rende exatos 20 minutos de fila. Nos bares da região que permitem o uso do reservado, a fila é semelhante, mas a maioria informa que o local está “interditado” mesmo.

Um casal oferece gelinho de Chivas Regal 12 anos, sendo que gelinho é o negócio congelado em um saquinho que você arranca uma ponta com o dente e fica chupando. Sem dúvida, quero sim.

Lá pelas 18h, cai o temporal. Eu tinha conseguido pedir um Uber, o que não é muito fácil por causa das ruas interditadas para todo lado. Torcendo para ser uma chuvinha de verão, me dirijo à praça do Patriarca, onde o bloco BPM vai agitar com música eletrônica. Por causa dos bloqueios, sou obrigado a descer na praça da Sé e a andar a rua Direita inteira.

Não era chuvinha de verão. A travessia acontece de toldo em toldo, os tênis e as meias já completamente molhados. Alguns foliões abraçaram a água e seguem numa boa. 

Depois daquele dia quente, a chuva dá uma grande esfriada. Uma hora me vejo encostado sozinho num prédio de banco, já tudo escuro, com uma tempestade na minha cabeça, tremendo de frio e sem saber o que fazer. O próprio retrato do sofrimento.

Ele não acaba quando chego no Patriarca. Descubro que o bloco não sai dela, e sim chega ali, vindo do Pateo do Collegio. Não importa, com o dilúvio que está ninguém faz nada além de esperar encolhido embaixo da enorme marquise da praça.

Já são 20h quando a chuva amaina e os carros começam a circular de novo na região. Inconformado, tento uma última cartada, o Cordão Cecília, que promete canções da MPB em ritmo de samba, como “Sexy Iemanjá”.

Só que, ao chegar à rua Vitorino Carmilo, o trio elétrico está parado e a festa foi transferida para dentro da Associação Cultural Santa Cecília. Em cima de um palquinho, a banda diverte os poucos que cabem ali, talvez umas cem pessoas.

O calor está insuportável, e aquilo tampouco é um bloco de rua. Assim, dou por acabado meu périplo de rei Momo e volto para casa pouco mais de 12 horas depois de sair. Foram oito viagens de Uber (R$ 178,01), uns R$ 50 em bebida, seis blocos, muita confusão e alguma alegria.

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