Shoppings tateiam para lidar com casos de discriminação

Centro de compras na zona sul de SP cria projeto para acolher crianças pedintes

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São Paulo

Shopping de São Paulo pede autorização para apreender crianças de rua. Cantora denuncia racismo e diz ter sido xingada por segurança em shopping. Crianças de escolas públicas são impedidas de entrar em shopping por funcionária de ONG.

Os três casos ocorreram em grandes centros de compras frequentados por paulistanos no último mês, mas uma pesquisa rápida pela internet retorna dezenas de relatos.

O pintor Enio Squeff, 75, passou por um desses episódios: em 2017 seu filho, negro e com 7 anos à época, foi alvo de racismo no shopping Pátio Higienópolis. Uma segurança, também negra, perguntou ao pintor se o menino, sentado à mesa com ele, lhe incomodava, sugerindo que a criança estivesse lhe pedindo esmolas. 

Protesto no shopping Pátio Higienópolis após debate sobre apreensão de crianças
Protesto no shopping Pátio Higienópolis após debate sobre apreensão de crianças - Marcelo Rocha/Alma Preta/Divugalção

“Preferi não registrar queixa porque, no fim, a moça seria mandada embora e a história terminaria aí”, diz ele. 

O Ministério Público abriu inquérito para apurar se o shopping praticava racismo institucional —se orientava funcionários a expulsarem pedintes, entendendo como tal pessoas negras.

À época, o shopping se comprometeu a reavaliar o processo de treinamento de sua equipe e fazer campanhas de combate à discriminação. 

O caso foi arquivado.

“Aquele espaço escancara a diferença abissal que voltou a esse país”, diz ele. “Outro dia, estava jantando e uma criança me disse: ‘O senhor me dá um pouco desse seu macarrão?’. Claro, aprendi que não se nega comida a ninguém. Mas essas coisas continuarão ocorrendo”, afirma o pintor.

O Pátio Higienópolis voltou a causar polêmica em fevereiro ao pedir autorização à Justiça para apreender crianças e adolescentes em situação de rua que circulam pelos corredores do centro de compras. O problema, alegou, seriam “atos de vandalismo, depredação, agressão, furtos e intimidação aos frequentadores”. A solução encontrada seria levá-los ao Conselho Tutelar ou entregá-los à Polícia Militar.

A Justiça, porém, disse que faltava embasamento legal e chamou o pedido de “genuína higiene social”. 

O shopping foi alvo de protestos e fez um acordo com entidades do movimento negro para criar projetos para atender a crianças vulneráveis e campanhas de combate ao racismo.

A lei brasileira não permite discriminação pela cor de pele —racismo é crime, e quem praticá-lo está sujeito à reclusão de um a três anos e multa. Pedintes, porém, podem ser barrados pelas entidades.

A rede Iguatemi, que comanda o Pátio Higienópolis, tem em seu código de conduta a regra: “Não são permitidos vendedores ambulantes, distribuição de folhetos de qualquer natureza e a abordagem de clientes nos corredores e portas de acesso”. 

Especialistas em recursos humanos ouvidos pela Folha afirmam que os shoppings têm dificuldades para treinar seus funcionários.

O desafio é encontrar o equilíbrio entre garantir segurança e conforto aos clientes e não causar constrangimentos causados por julgamentos equivocados, como supor que alguém seja uma ameaça pela forma como se veste.

Alvo constante de queixas de clientes por causa do número de pedintes em seus corredores, o shopping Metrô Santa Cruz, na zona sul de São Paulo, adotou outro rumo.

Contratou uma equipe de assistentes sociais para abordar tanto as crianças que vendem balas e doces nos corredores como as que pedem dinheiro e comida na praça de alimentação e encaminhá-las a serviços especializados da prefeitura da melhor maneira.

A ação foi feita em parceria com a Rede Peteca, entidade que promove o fim da exploração do trabalho infantil. Segundo Felipe Tau, da Rede Peteca, além da questão da exploração havia atritos entre as próprias crianças. 

“O chefe de segurança do shopping nos procurou para ver se tinha alguma solução amigável, sem truculência, e a gente resolveu testar a prática. Deu super certo, e queremos levar isso a outros shoppings do Brasil”, afirma. “Essas crianças precisam ser identificadas, incluídas e protegidas pelo Estado.”

A Folha entrou em contato com os shoppings JK Iguatemi e Pátio Higienópolis, que fazem parte da mesma rede, e pediu entrevista com seus diretores a respeito dos procedimentos seguidos para evitar práticas de discriminação e do treinamento dado aos funcionários. As companhias não responderam. 

A Abrasce (Associação Brasileira de Shopping Centers) enviou uma nota à reportagem em que diz que atua “para garantir que os empreendimentos sejam um ambiente democrático em sua totalidade” e “trabalha constantemente em prol de uma sociedade cada vez mais justa e equânime”. 

Além disso, afirma que são realizados treinamentos periódicos, campanhas de conscientização e um seminário anual dedicado ao tema. 

A reportagem questionou a entidade sobre em que consistem os treinamentos e pediu exemplos de campanhas de conscientização realizadas, mas, até a conclusão desta edição, não recebeu resposta. 

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