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Rio de Janeiro

Uso de tecnologia para contornar dificuldades de investigação deveria ser regra

No caso Marielle, polícia e Ministério Público dizem ter usado ferramentas para contornar falta de testemunhas

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Homem passa por grafite de Marielle Franco perto do local em que a vereadora foi morta, no Rio
Homem passa por grafite de Marielle Franco perto do local em que a vereadora foi morta, no Rio - Sergio Moraes/Reuters

As prisões do PM reformado Ronnie Lessa e do ex-PM Élcio Vieira de Queiroz, denunciados como responsáveis pela morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018, ocorreram a poucos dias das mortes completarem um ano.

Se já existiam evidências do envolvimento dos dois presos no caso, por que a Polícia Civil não efetuou as prisões antes? E, se não existiam, a antecipação compromete a obtenção de provas que possam levar à condenação dos dois acusados?

Essas são questões importantes, já que, em média, segundo estimativa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a taxa de esclarecimento de homicídios cometidos no Rio de Janeiro em 2017 foi de 8,6%. Ou seja, menos de 1 a cada 10 casos de mortes no estado foram solucionados.

Esse percentual é quase três vezes inferior à média nacional, que atinge 24,7% de esclarecimentos. E, segundo declaração do delegado Giniton Lages, titular da Delegacia de Homicídios, cerca de 80% desses casos só foram resolvidos com apoio em testemunhas.

O Rio de Janeiro esclarece poucos homicídios e depende demais de provas testemunhais. Por isso, chama mais ainda a atenção o fato de que a Polícia Civil e o Ministério Público terem anunciado que fizeram uso de modernas ferramentas e tecnologias como forma de contornar a não-existência de testemunhas.

Se a autoria dos crimes for confirmada pelo Poder Judiciário, essa investigação abre uma profícua frente de trabalho para as polícias civis do país todo.

A investigação criminal no Brasil precisa deixar de ser burocrática e cartorária e precisa passar a fazer uso intensivo de dados e de cruzamento de informações provenientes de minucioso trabalho de compilação e análise de evidências. As polícias brasileiras já têm à disposição recursos tecnológicos e de perícia, bem como pessoal treinado para atuar em casos que exijam o processamento de grandes quantidades de dados.

Em um mundo que migra da telefonia celular convencional, com cada vez menos pessoas falando por ligações comuns, é importante que as tecnologias não sejam engessadas em dispendiosos processos de aquisição de uma ferramenta que, em meses, estará obsoleta. Em vez de incentivar policiais a subirem morros para matar e morrer, um contrassenso perverso, precisamos incentivar a inovação e a cooperação.

Entre as novas técnicas existentes, o uso de metadados de aplicativos de mensagens, quando articulado, ajuda na identificação de padrões e de caminhos que eventuais suspeitos fazem no universo virtual e no mundo real (GPS, datas, logs etc.).

Esses metadados não são facilmente apagáveis e não estão sujeitos à criptografia dos aplicativos. A partir deles é possível identificar pessoas e, com autorização da Justiça, monitorar acessos e conteúdos de sistemas em nuvem e/ou baseados em provedores internacionais. Não há mais como passar incólume pelo mundo cibernético.

A mesma tecnologia que ameaça nossa privacidade, quando bem utilizada, é a tecnologia que pode solucionar crimes. Isso é o que foi feito, segundo as autoridades. O episódio sugere ainda que as tecnologias foram usadas no bojo de uma operação conjunta entre Polícia Civil e o Ministério Público do Rio de Janeiro, o que merece elogios. Sem integração e coordenação, nem mesmo a mais avançada tecnologia será eficiente.

A prisão dos dois acusados de matar Marielle e Anderson está longe de encerrar um caso que é emblemático na escalada da violência política e do impacto do ódio e do ressentimento cultivado nos últimos meses no país.

Ela exige que as autoridades sejam muito cuidadosas em dizer que não há mandantes para um crime tão bárbaro. Se for verdade que agiram sozinhos, teremos dado mais um passo para cair no precipício civilizatório em que as redes sociais têm nos incentivado a caminhar.

Renato Sérgio de Lima é diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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