Vida e trajetória de Marielle inspiram projetos de jovens negras de favelas

Exemplo da vereadora, morta há um ano, impulsiona projetos sociais e políticos de outras mulheres

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Rio de Janeiro

Se calaram Marielle Franco (PSOL), falam cada vez mais alto as Blendas, Milenas, Thaises e Rayannes. É uma geração de mulheres jovens, negras e criadas em favelas, a exemplo da vereadora, que foram impulsionadas por sua eleição e por sua morte, ocorrida há exatamente um ano —dois suspeitos de serem responsáveis pelo crime foram presos na terça (12).

São ativistas que viram na parlamentar um estímulo para seus projetos políticos ou sociais. “Não tem como falar da gente sem falar das que vieram antes”, diz Milena Santos, 24, nascida no morro do Borel, na zona norte carioca.

No caso dela e de sua amiga Blenda Paulino, 20, Marielle serviu como semente. Dias depois do assassinato da vereadora, elas fundaram com amigos de outras favelas um coletivo para discutir política.

O grupo de jovens, batizado de Brota na Laje, se reúne quinzenalmente em lajes da zona norte para aproximar o tema de suas comunidades. O próximo passo é implantar um cursinho pré-vestibular no Borel. Foi por meio de um desses cursinhos que Marielle, nascida no Complexo da Maré, chegou à PUC-Rio.

“A Marielle foi a primeira mulher negra em quem votei. E votei com a maior felicidade do mundo, por ser alguém que sabia que abraçaria as causas que me afetam diretamente”, afirma Blenda. 

Filha da deputada estadual Mônica Francisco (PSOL), ex-assessora de Marielle, Milena acompanhou de perto o mandato da vereadora. “Ela sempre falava que não tinha vocação para ser mártir, mas foi o que acabou se tornando. A gente não quer nossos heróis mortos”, diz.

Rayanne da Silva, 21, esteve com Marielle na noite de seu assassinato. Também ex-assessora da parlamentar, a jovem participou do evento com mulheres negras em que ela estava momentos antes de ser morta. “Temos que transformar o medo em alguma coisa. Existia uma Marielle, mas olha quantas somos”, afirma.

Quando conheceu a vereadora, Rayanne logo se deu conta das similaridades entre suas histórias de vida. Nascidas na Maré, ambas foram mães aos 18 anos, ingressaram no pré-vestibular comunitário e atuaram em ONGs. “Essa vontade que eu tenho foi personificada numa pessoa que teve uma superpotência. Dá um estímulo.”

Hoje ela promove a articulação com movimentos sociais no gabinete da deputada estadual Renata Souza (PSOL). Às vezes também acompanha a atuação da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do RJ, presidida pela parlamentar.

Rayanne acha que a história de seus familiares poderia ter sido diferente se eles soubessem o que o grupo faz. Isso porque, há dez anos, tiveram dificuldade para enterrar seu pai, dependente químico, assassinado em uma favela de uma facção rival à da comunidade em que morava.

Os traficantes não queriam entregar o corpo, e a família teve que pagar à polícia para ajudar a liberá-lo. A comissão, acredita, poderia ter facilitado a resolução do problema. A situação simboliza a distância entre a política institucional e moradores de comunidades.

Quem também percebeu essa distância foi Thais Ferreira, 30, empreendedora social. Durante o acompanhamento da gravidez em hospital público, com problemas na estrutura e no atendimento, ela notou que mulheres muitas vezes não conheciam seus direitos.

A partir daí, criou o Mãe&Mais, projeto que já levou assistência e informação a grávidas e mães em 21 locais no Rio. Alguns anos depois, em 2018, se candidatou a deputada estadual pelo PSOL, mas não foi eleita e se tornou suplente.

Thais diz que a política sempre fez parte de sua trajetória. “Não é que aconteceu uma coisa na minha vida que me despertou para a luta. Já nasci no meio dela, seria estranho se não a honrasse.”

Ela conta que era muito tímida até a quinta série, quando pediu para mudar da escola privada para a pública. “Na escola particular não me reconhecia em ninguém. Meu irmão contava coisas incríveis sobre a escola pública, dizia que tinha um monte de criança preta igual à gente.”

Dias antes de ser assassinada, Marielle perguntou se Thais iria mesmo se candidatar. Era comum que a vereadora incentivasse outras mulheres negras a dividir com ela o espaço da política institucional. Marielle tinha um lema: “Uma sobe e puxa a outra”.
 

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