Descrição de chapéu Alalaô

Voluntárias se infiltram no Carnaval de SP para acolher vítimas de assédio

Este é o primeiro ano em que ação foi levada para os blocos durante a festa

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São Paulo

Munidas de adesivos com slogans feministas e protegidas por seguranças, um grupo de voluntárias teve a missão de se infiltrar na multidão dos blocos e acolher folionas vítimas de assédio e em situação de vulnerabilidade durante o Carnaval. 

É o primeiro ano em que a ação, uma parceria entre a coordenadoria de Políticas para Mulheres da prefeitura, da produtora Rua Livre e do portal Catraca Livre, é realizada. 

 
 Ônibus Lilás, da Prefeitura de São Paulo, colocado na avenida Tiradentes para ajudar mulheres em caso de assédio
Ônibus Lilás, da Prefeitura de São Paulo, estacionado na avenida Tiradentes para ajudar mulheres em caso de assédio - Julia Zaremba/Folhapress
 

As vítimas são atendidas no Ônibus Lilás da prefeitura, que conta com psicóloga, assistente social e advogada. Durante o Carnaval, o veículo ficou estacionado perto de blocos na região central da cidade, das 11h às 17h. Agentes da Guarda Civil Metropolitana e da Polícia Militar davam apoio. 

Folha acompanhou uma tarde do trabalho dessas "anjas" da guarda. Não testemunhou casos de assédio, mas de acolhimento a mulheres que não se sentiam bem.

Nos três primeiros dias de festa, nenhuma foliona foi até o ônibus para denunciar ato de importunação sexual —prática de ato libidinoso contra alguém sem consentimento, como forçar um beijo ou passadas de mão indesejadas—, que, desde setembro do ano passado, é tratado como crime.

Os casos não são registrados no ônibus, mas a vítima pode ser levada a uma delegacia para fazer boletim de ocorrência. Era mais comum uma mulher perguntar se poderia usar o banheiro da área onde o ônibus estava parado, delimitada por grades (a reportagem ouviu dezenas de perguntas do tipo enquanto o veículo estava estacionado na Praça da República, no último sábado).

O ponto escolhido para a tarde de segunda-feira (4) foi a avenida Tiradentes, que receberia quatro blocos ao longo do dia. Poucos minutos após deixarem o ônibus, uma dupla de voluntárias encontrou uma jovem com o pé ferido e sinais de embriaguez, acompanhada de um amigo.

Ela pedia ajuda. Conduziram a jovem até o posto médico ao lado do ônibus, onde foi atendida. Durante uma segunda ronda, encontraram uma outra mulher passando mal. Estava deitada no chão, sendo amparada por amigos. Não havia bebido estava com a pressão baixa por causa do calor. O atendimento durou cerca de 30 minutos porque os bombeiros tiveram que driblar uma grande multidão para chegar até o local. 

A única abordagem indesejada ocorreu com uma das voluntárias, a estudante Pâmela Rodrigues, 21. Um homem pediu um beijo a ela. Após a negativa, ele continuou insistindo. Depois, foi embora. "Odeio quando ficam na minha frente e não deixam passar", diz. 

Não é o primeiro Carnaval em que ela foi assediada. Foi isso que a motivou a abrir mão de curtir a folia para proteger outras mulheres. "É importante para que nós, mulheres, cuidemos umas das outras", afirma a estudante.

A outra voluntária era a psicóloga Kátia Braz, 48, que trabalha em um projeto de atendimento a mulheres vítimas de violência em São Paulo. "Há uma grande banalização da violência contra as mulheres. Parece normal. E, no Carnaval, é ainda mais liberado, como se houvesse uma permissão", diz. 

Ela, que já tem experiência na área, diz que fica atenta às expressões das mulheres enquanto faz a ronda. Se estão com a cara mais fechada, ou com sinais de embriaguez, melhor se aproximar e oferecer ajuda.

Algumas pessoas ficaram assustadas com a aproximação do grupo, por causa dos seguranças. O serviço foi contratado para proteger as voluntárias. A equipe de anjos é composta por 25 mulheres, que se revezam entre os dias de Carnaval. Ficam ora em cima dos trios, ora no meio dos foliões no chão.

Antes de sair para as ruas, elas passaram por um curso de capacitação oferecido pela prefeitura e pelo Ministério Público de São Paulo. As voluntárias relatam ter visto nos últimos dias situações como uma briga entre mulheres e policiais militares, um homem puxando o cabelo de uma jovem sem consentimento, um outro que tentava olhar por debaixo da saia de uma foliã e, principalmente, muitos assaltos. 

Uma voluntária conseguiu tirar foto de um homem que assediava mulheres durante o bloco Domingo Ela Não Vai, na avenida Tiradentes. O homem, porém, conseguiu fugir antes de a GCM chegar, o que ilustra a dificuldade de conseguir punir agressores em meio a blocos.

 O ônibus também ficará nesta terça-feira (5) na avenida Tiradentes, em frente à estação de metrô de mesmo nome. Vítimas de abusos sexuais podem procurar a ajuda das assistentes para registrar o caso na delegacia e conseguir acolhimento.

Perguntas e respostas

O que é importunação sexual?
É a prática de ato libidinoso contra alguém, sem consenso, para satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro. O crime está previsto na lei 13.718, sancionada em setembro de 2018

Qual a pena prevista? 
De 1 a 5 anos de prisão —a pena para homicídio culposo (sem intenção de matar), por exemplo, é de 1 a 3 anos

Quais atos se encaixam na categoria? 
Forçar um beijo; tocar nos seios, na genitália ou nas pernas de alguém sem permissão; roçar a genitália de outra pessoa sem consentimento; se masturbar ou ejacular em uma mulher em local público

Beijo a força também se encaixa na categoria? 
Nesse caso, o crime é de estupro, já que o ato libidinoso foi praticado mediante violência 

Cantadas indesejadas também são consideradas importunação? 
Proferir palavras vulgares e pejorativas para alguém sem anuência tende a ser considerado injúria, que trata-se de um crime contra a honra. A pena vai de 1 mês a 3 anos de detenção e multa

O que devo fazer se for assediada em um bloco? 
A orientação é procurar a autoridade policial mais próxima. A ocorrência também pode ser registrada na delegacia mais próxima ao local do crime

Fontes: Jacqueline Valadares, delegada titular da 2ª Delegacia de Defesa da Mulher, Raquel Kobashi Gallinati, delegada e presidente do Sindpesp (sindicato dos delegados de São Paulo), e Osvaldo Nico, diretor do Decade

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