Investigação indica que falta de peça e não vândalos detonaram muro da USP

Laudos apontam falta de calço em esquadrias; prefeitura pode pagar obra caso não haja mais doações

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Mato alto toma conta de placas de vidro que deveriam ter sido usada para substituir peças quebradas

Mato alto toma conta de placas de vidro que deveriam ter sido usada para substituir peças quebradas Bruno Santos/Folhapress

São Paulo

Sem manutenção há quatro meses, o muro de vidro que separa a raia olímpica da USP e a marginal Pinheiros teve falhas na instalação que levaram a quebras recorrentes das placas, apontam laudos da Polícia Civil. 

A falta de uma peça de borracha usada para calçar as placas de vidro e evitar o contato direto com a esquadria de alumínio, o que aumenta as chances de quebra, foi detectada pela polícia a partir de análises nas 44 peças que se quebraram desde a inauguração do muro, há um ano. 

Um especialista em vidraçaria que participou do projeto e vistoriou a obra no fim do ano passado confirmou a falta dos calços. De acordo com o projeto do muro, as empresas responsáveis pela instalação deveriam ter inserido três peças de borracha em cada encaixe de lâmina de vidro na esquadria de alumínio, uma na base e uma em cada lateral. 

A investigação policial, porém, ao analisar as placas de vidro avariadas, detectou a falta do calço na parte de baixo em algumas delas. Imagens de câmeras de segurança que mostram vidros se quebrando a partir da base, sem ação de vandalismo, também são citadas pela polícia. 
 

A Afeal (Associação Nacional de Fabricantes de Esquadrias de Alumínio), que representa parte das 44 empresas que doaram serviços para a construção do muro, negou a falta dos calços na instalação, e atribuiu as quebras a vandalismo. 

Em um ano, foram elaborados 32 laudos pelo Instituto de Criminalística e nenhum mostrou que tenha havido vandalismo, segundo a Polícia Civil. O inquérito foi encerrado 
sem chegar a uma conclusão. 

Anunciado no ano passado pelo ex-prefeito e atual governador João Doria (PSDB) como uma forma de integrar a universidade à cidade, o muro de vidro não tem previsão para ser concluído. Ainda há cerca de 1 km de parede de alvenaria a ser substituída.

Orçada em R$ 15 milhões, e “totalmente custeada por empresas privadas”, segundo Doria na inauguração, a obra, agora, deve receber recursos públicos para ser finalizada, de acordo com a prefeitura. 

Em nota, a gestão de Bruno Covas (PSDB) afirmou que está à disposição da universidade 
para concluir a obra caso não apareçam novas doações. 

Em agosto de 2018, reportagem da Folha mostrou que a responsabilidade pela manutenção do muro estava em um limbo. Para o município, a obra foi feita por meio de doação à USP intermediada pela gestão Doria e, por isso, não caberia à prefeitura intervir.

Já a universidade afirmava que até a conclusão da obra qualquer ação no muro deveria ser de responsabilidade das empresas doadoras. Cada placa de vidro custa cerca de R$ 4.000 —são 1.222 placas. 

Sem um contrato formal com as 44 empresas que prestaram os serviços e disponibilizaram os materiais, a USP dispõe de apenas um termo de doação, que não prevê custos de manutenção da estrutura. 

Com 96 mil alunos e orçamento de cerca de R$ 5 bilhões anuais, a universidade tem quase todo seu caixa onerado pela folha de pagamento e se recupera de grave crise financeira nos últimos anos.

Ao longo de um ano, a Polícia Civil lavrou 36 boletins de ocorrência para apurar a quebra das 44 placas de vidro, houve ocasiões em que mais de uma apareceu quebrada no mesmo dia. 

O uso de material para amortecer o impacto entre o vidro e o alumínio é previsto em norma técnica que rege obras desse tipo. Isso evita que movimentações como deslocamentos de ar e trepidações de veículos pesados danifiquem as placas.

A USP confirmou que as obras estão paralisadas desde o fim do ano passado “à espera de um necessário ajuste no projeto de instalação, que deve envolver a prefeitura, as empresas e a universidade”. 

A instituição pretende investigar de forma independente as causas das quebras e elaborar soluções para evitar novas ocorrências. Para isso, foi formado nesta semana um grupo de trabalho com seis professores da Escola Politécnica e um do instituto de matemática, com prazo de quatro meses para concluir os estudos. 

Os sinais de abandono são evidentes ao longo dos 2,2 km do muro. A Folha esteve no local nesta semana e encontrou 37 placas de vidro apoiadas em cavaletes de ferro à beira da marginal Pinheiros, sem nenhum tipo de proteção. 

Mato alto cobria parte desses vidros deixados ao relento para repor as quebras. Ao todo, 20 placas estavam estilhaçadas, com os cacos de vidro ainda no local. 

O mau armazenamento compromete a vida útil dos vidros temperados, como os usados na obra, de acordo com especialistas. Uma simples trinca nas extremidades pode facilitar que a peça inteira se quebre após a instalação. 

Desde setembro, cabe à universidade o monitoramento e análise das imagens captadas por 84 câmeras de vigilância doadas pela Secretaria Municipal de Segurança Urbana e instaladas ao longo da estrutura para  inibir supostas ações de vandalismo. 

Os postes de energia no trecho entre a raia olímpica e a marginal precisaram ser trocados após a derrubada do muro antigo ter danificado a estrutura elétrica, segundo emails trocados entre a direção da universidade e o Ilume, departamento de iluminação, aos quais a Folha teve acesso. 

Nos emails, os interlocutores alertaram sobre risco de os postes antigos caírem sobre os carros que trafegam na marginal. O Ilume informou que realocou 88 postes naquele trecho e que a rede de eletricidade permanece intacta. 

A Folha entrou em contato com empresas que realizaram as instalações do muro, mas nenhuma retornou os pedidos de esclarecimentos. 

Procurada, a arquiteta Jóia Bergamo, responsável pelo projeto, disse que não daria entrevista sobre o tema. Foi ela quem também fez o projeto da reforma do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, que encapou com tinta preta um piso de madeira e uma mesa de reuniões. 
 

 
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