Doria investiga sumiço de dinheiro encontrado em trens na gestão França

Valor doado pela CPTM para entidade estadual de filantropia não consta nos cofres

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São Paulo

Todo dinheiro que é encontrado nos vagões dos trens paulistas é guardado pela CPTM por até três meses. Caso não sejam reclamados os reais, dólares, euros, pesos e liras perdidos —boa parte deixados por turistas—, eles são doados pela companhia ao Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo (Fussesp), entidade estadual de filantropia, atualmente presidida por Filipe Sabará (Novo), com a primeira-dama Bia Doria à frente do conselho.

A gestão João Doria (PSDB) investiga o desfalque de três meses de depósitos desses "trocados" durante o ano passado, na administração de Márcio França (PSB). O episódio contrapõe mais uma vez o tucano ao ex-governador —eles se envolveram em agressivos embates no ano passado, durante a campanha eleitoral.

Segundo a apuração preliminar da atual administração, as doações realizadas pela CPTM para o Fundo Social nos meses de julho, setembro e outubro não constam nos relatórios bancários da entidade. Ou seja, o dinheiro encontrado nos vagões de trens foi recebido pelo fundo, mas não foi depositado nas contas bancárias.

Além disso, em dezembro foi encontrada uma discrepância: a doação da companhia foi de R$ 881,90; US$ 2,46; € 5,10; e 1.000 libras libanesas (que equivalem a R$ 2,50 na cotação atual). No entanto, apenas R$ 12,90 foram depositados na conta do fundo.

Nesses meses, quem presidia o Fundo Social era a primeira-dama Lúcia França. Seu marido assumiu o governo do estado em abril, quando Geraldo Alckmin (PSDB) deixou o cargo para participar das eleições presidenciais.

Em média, a CPTM doa pouco mais de R$ 1.000 mensalmente nesse formato. O desfalque desses meses totaliza cerca de R$ 5.700, um valor relativamente baixo, mas cujo sumiço chamou a atenção de funcionários antigos do fundo.

As doações da companhia de trens são feitas em espécie e o diretor técnico do fundo assina recibos atestando a transação. Os recibos referentes a todos os meses foram encontrados pela atual administração.

O diretor entrega esse dinheiro para que outro funcionário do fundo deposite na conta bancária da instituição. Essa operação posterior que agora é alvo de apuração do governo do estado.

Um servidor que já não ocupa mais um posto no Fundo desde o começo do ano e que recebeu os valores do diretor técnico tem sido apontado internamente como a pessoa que deveria saber para onde foi direcionado o dinheiro que não está nas contas do fundo. Ele deverá ser convocado para prestar esclarecimentos.

À Folha, a gestão Doria afirma em nota que, em um primeiro momento, trata o assunto “como apuração preliminar dos fatos”. “O processo foi encaminhado à Assessoria Jurídica do Gabinete do Procurador-Geral do Estado, para conhecer os problemas apontados no despacho do chefe de gabinete deste Fundo Social, convocar os responsáveis para prestar os devidos esclarecimentos, emitir o parecer concluso e devolver ao Fundo Social, constada a infração abertura de sindicância para punir os responsáveis.”

Também em nota, o Fundo Social afirma que "constatou a ausência do depósito das doações recebidas da CPTM durante três meses de 2018 e abriu uma sindicância interna para apurar as responsabilidades. 
O dinheiro se refere as quantias encontradas nos vagões da empresa, que são repassados mensalmente ao fundo". A entidade ressalta que o dinheiro é utilizado para o pagamento de programas sociais.

​Éder Santos, chefe de gabinete do fundo na gestão França, afirma, em nota, que “a gestão do Fundo Social que terminou em 2018 deixou R$ 18 milhões em caixa. Os procedimentos de recebimentos de doações estavam a cargo do setor Administrativo e Financeiro, sob responsabilidade de funcionários de carreira desde o governo Geraldo Alckmin (PSDB). Diante das informações que agora recebo da Folha espero que sejam apuradas e os eventuais responsáveis devidamente cobrados pelos seus superiores”.

O ex-governador Márcio França reforça à reportagem que os responsáveis devem ser encontrados. Ele diz que o fundo tinha “centenas de funcionários” e que operações como essas doações, que ele afirma que nem sabia que existiam, não passavam pela primeira-dama, mas pelos setores técnicos.

“O fundo tem centenas de funcionários, uma pequena parte apenas em cargo de comissão. Quando a Lúcia foi para lá, ela trocou apenas três ou quatro. O resto ficou. Claro que ela mesma não tinha acesso a doações desse tipo”, diz o ex-governador. “Toda a parte financeira de uma companhia e tocada pelo diretor financeiro. Nenhum secretário tem contato com esse dinheiro nem a presidente do Fundo Social […] Dinheiro miúdo é tratado por funcionários.”

França ainda ressalta que o funcionário responsável por fazer o depósito dos valores na conta do fundo tem que ser chamado, sim, para prestar esclarecimentos, para que se descubra, então, o que de fato aconteceu na operação.

Sobre a relação com Doria, o ex-governador diz não ver mais turbulências.

“O papel do governador é governar. Desde o início fizemos a transição acordada e cada um tem, claro, seu próprio estilo. Somos diferentes, mas nos respeitamos. Eleições já acabaram ou ainda estão longe.”

QUANTO A CPTM DOA PARA O FUNDO

Em 2017: R$ 11.671,75

Em 2018: R$ 13.950,23

Janeiro: R$ 1.536,13 (dólares americanos, centavos bolivianos e meticais de Moçambique)

Fevereiro: R$ 1.521,54 (dólares americanos e libras esterlinas)

Março: R$ 1.264,40 (euros, centavos bolivianos, centavos cubanos, centavos chilenos, pesos uruguaios, libras esterlinas e riais iranianos)

Abril: R$ 907,70 (euros e dólares americanos)

Maio: R$ 1.207,25 (dólares americanos, libras esterlinas e pesos argentinos)

Junho: R$ 1.291,12 (dólares americanos, dólares canadenses e pesos argentinos)

Julho: R$ 847,79 (dólares americanos, pesos argentinos e libras egípcias)

Agosto: R$ 1.447,49 (sois peruanos e dólares americanos)

Setembro: R$ 777,69 (dólares americanos e pesos argentinos)

Outubro: R$ 1.222,40  (dólares americanos, pesos chilenos e pesos argentinos)

Novembro: R$ 1.010,82 (dólares americanos e guaranis paraguaios)

Dezembro: R$ 915,90 (libras libanesas, euros e dólares americanos)
 

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