Sem resolver a cracolândia, Covas quer mix de moradia e terapia para usuário

Prefeito criou meta de diminuir em 80% viciados nas ruas do centro; projeto Redenção não engrenou

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Após quase dois anos e meio da atual gestão, o prefeito Bruno Covas (PSDB) ainda engatinha no objetivo de dar uma solução à cracolândia e aposta na criação de um serviço que mescla acolhida e tratamento dos usuários de drogas. 

Covas oficializou, em uma revisão no plano de metas, a promessa de diminuir em 80% o número de usuários de drogas, objetivo visto como irrealista por quem acompanha sucessivos projetos frustrados na região. 

A meta passa pela criação do Siat (Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica), um local que mescla moradia temporária e tratamento médico e social. A estratégia, estabelecida em lei que admite práticas de redução de danos, se afasta da abordagem linha-dura de Doria --que, no começo da gestão, pretendia até internar usuários de drogas à força. 

Os equipamentos devem ser divididos em fases voltadas ao estágio de cada dependente químico, visando a adequação a planos feitos com base nas necessidades individuais e uma porta de saída do vício com autonomia.

"Hoje já tem um trabalho com psicólogos, assistentes sociais e psiquiatras, mas a saúde faz sua parte e a assistência social faz a parte dela. Com esses Siats, esse trabalho vai ser mais integrado", diz o secretário de Assistência Social, Marcelo Del Bosco. 

 

Entre as metas até 2020, também estão a criação de 70 vagas em centros de atendimento psicossocial (Caps) e 130 leitos hospitalares. O plano cita a criação de pontos de monitoramento de consumo de drogas pela Secretaria de Segurança Urbana, ponto criticado devido a possíveis violações de privacidade. 

A reportagem pediu esclarecimento sobre estes e outros pontos, mas recebeu apenas notas vagas como resposta. Para detalhar seu plano, a gestão aguarda a regulamentação da lei municipal de álcool e drogas, que foi enviada pela Câmara Municipal nesta semana para sanção do prefeito. 

A administração tucana começou com Doria declarando o fim da cracolândia. Além de ações frustradas que chegaram até a mudar o local de concentração de usuários de drogas no centro, o então prefeito cumpriu a promessa de extinção do Braços Abertos —programa criado por Fernando Haddad (PT) que privilegiava a redução de danos, com oferta de trabalho remunerado aos usuários de drogas. 

O projeto Redenção, criado para substituir o Braços Abertos, nunca foi plenamente implementado, segundo especialistas que acompanham a situação da cracolândia. 

O programa mantém parte da estrutura herdada sob novo nome e alguns serviços paliativos —como consultório de rua e tendas de descanso que oferecem assistência aos usuários de drogas. 

Medições apontam diminuição dos usuários no ponto específico da cracolândia (cerca de 500 hoje), mas a vizinhança relata espalhamento para os arredores e conflitos diários. Na rua Helvétia, coração da cracolândia, a presença mais visível por parte da prefeitura, porém, são guardas-civis, de capacetes, luvas plásticas e máscaras.

Na manhã desta sexta (26), os guardas faziam a escolta para o sempre tenso momento em que os usuários de drogas têm de esvaziar a rua Helvétia e a alameda Dino Bueno para a limpeza. Os viciados se deslocaram para uma praça na alameda Cleveland, onde faziam uma roda de samba. 

Em conversa com usuários de drogas, é possível notar que o Recomeço, programa do governo estadual com foco em internação, hoje é a principal referência para os usuários em busca de tratamento —na época do Braços Abertos, especialistas e usuários apontavam uma complementaridade entre o projeto municipal e o estadual, o que deixou de existir. 

"[A atual gestão] realmente fez um projeto denominado Redenção, mas que efetivamente nunca chegou a ser concretizado", afirma o promotor da área da saúde Arthur Pinto Filho. 

O promotor cita equipes de saúde muito reduzidas e hotéis para estadia dos usuários de drogas que, na região central, estão "numa situação de muita degradação física". Para ele, a meta de diminuir em 80% o número de usuários de drogas até 2020 é irrealista. 

A presidente do Comuda (Conselho Municipal de Políticas de Drogas e Álcool de São Paulo), Nathália Oliveira, classifica o Redenção como um projeto "sem rumo" e que não tem projeto terapêutico claro. 

"O programa que chamam de Redenção é basicamente um consultório na rua, com trabalhadores no território, apagando incêndio, fazendo com que as pessoas tenham cuidados básicos de saúde. É paliativo, emergencial." 

Ela acrescenta que o programa age de maneira protocolar, sem conseguir se integrar de fato ao território. Na manhã de sexta, a reportagem não encontrou agentes de saúde e assistência no local.

No acompanhamento online do plano de metas, o balanço feito em março do projeto Redenção citava capacitação de equipes do consultório de rua e criação de criação de pouco mais de cem vagas em Caps e 150 em albergues.

Um dos pontos prometidos é a criação da política municipal de álcool e drogas, cuja lei foi aprovada neste mês. 

Para Nathália, o projeto enviado pelo Executivo passou por processo de reconstrução e discussão, o que faz com que ela veja o resultado final como positivo. "Fortalece ações no eixo de prevenção, tanto de drogas ilícitas quanto de álcool, fortalece eixo de cuidado e assistência", afirma.

O vereador Celso Gianazzi (PSOL) reconhece a melhoria, mas afirma que permaneceram pontos problemáticos que abrem brecha para especulação imobiliária e violação de privacidade de usuários de drogas. Por isso, seu voto foi contrário. 

"A lei permite você fazer o monitoramento ativo em torno de praças, com a câmera, sabendo quem está na praça quem não está. Uma coisa é filmar e outra identificar e saber o tempo todo: quem está ali é o João da Silva." 

A ideia da gestão Covas de multar usuários de drogas em R$ 500 não avançou

Como governo e prefeitura lidaram com a cracolândia

Primeiros relatos

Em 1995, a imprensa de São Paulo começou a usar o termo "cracolândia" para se referir à área no centro da cidade onde havia consumo livre de crack. Já havia relatos e apreensões da droga desde o início da década

'Dor e sofrimento'

Em janeiro de 2012, operação da Polícia Militar e da prefeitura tentou esvaziar a cracolândia e impedir aglomeração de viciados. A estratégia chegou a ser definida por coordenador como de "dor e sofrimento"

Recomeço

Em 2013, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) anunciou o programa Recomeço, para tratamento de usuários em isolamentos hospitalares e comunidades terapêuticas. Na época, Alckmin também anunciou ação para facilitar a internação compulsória de dependentes químicos, que só pode acontecer mediante determinação judicial. Criticada por especialistas, a medida é tomada em casos considerados graves

Braços Abertos

Um ano depois, a prefeitura, então chefiada por Fernando Haddad (PT), criou o Braços Abertos. A partir do conceito de redução de danos, a ação incentivava o dependente a reduzir o consumo de drogas e a aumentar a autonomia, sem necessidade de internação, pela oferta de emprego e moradia. O programa foi encerrado quando João Doria (PSDB) assumiu a prefeitura

'Fim'

Em maio de 2017, a polícia realizou operação e desfez a "feira de drogas" na r. Helvetia. Usuários se espalharam pelo centro, e o então prefeito João Doria disse que a cracolândia havia acabado. Ele também anunciou um novo programa para tratamento de dependentes, o Redenção, nos mesmos moldes do Recomeço, do governo estadual

Retomada

Dias depois da ação da PM, uma nova cracolândia surgiu na praça Princesa Isabel, a cerca de 500 m do antigo fluxo

Tudo novo, de novo

Depois de confrontos com a GCM e menos de um mês após a operação da PM, usuários de drogas migraram para rua Helvétia e arredores. Concentração é menor, mas fluxo ainda é constante, e embates com polícia e guarda municipal são frequentes

Nova lei

Bruno Covas (PSDB) envia lei sobre política de drogas com mudança em relação à linha de Doria e com políticas de redução de danos. Projeto foi aprovado neste mês e aguarda sanção

80%

O prefeito revisa o plano de metas e planeja reduzir em 80% os usuários de drogas na cracolândia. Para isso, conta com projeto que mistura moradia e tratamentos dos usuários

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