Disputa por ursos no Ceará leva a briga na internet, vistoria e xingamento a nordestinos

Ativistas pedem a transferência dos animais para uma ONG em São Paulo

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Fortaleza

Dimas e Kátia, ursos-pardos de um zoológico de São Francisco de Canindé, a 120 km de Fortaleza, tornaram-se pivôs de uma polêmica que envolve defensores da causa animal, internautas, órgãos ambientais, o turismo local e até apuração inicial de racismo pelo Ministério Público Federal. 

Ativistas, liderados pela apresentadora de TV Luisa Mell, pedem a transferência dos ursos para uma ONG em São Paulo, como foi feito com a ursa Marsha, retirada de um zoológico no Piauí em setembro passado.

A remoção de Marsha, rebatizada de Rowena, repercutiu no Ceará. Estudantes da Universidade Federal do Ceará criaram um site e procuraram Luisa Mell para defender que Dimas e Kátia tivessem o mesmo destino. A preocupação, dizem, é que os animais sofram por causa do calor da região cearense.

“São ursos, precisam estar em locais com temperaturas mais baixas. Mas não é só isso, eles também ficam estressados com a presença do público, são animais traumatizados pelo período que passaram no circo”, disse Luisa Mell à reportagem.

Dimas chegou a Canindé em 2008. Estava mal, cego de um olho, sem dentes e garras, anos de maus tratos em um circo. Foi abandonado na BR-222, em Sobral, a 150 km de Canindé. Foi o Ibama que o resgatou e o levou ao zoológico. Kátia chegou três anos depois, em 2011, do Piauí. Ela viveu por anos no circo com outros três ursos, um deles Marsha, a resgatada por Luisa Mell. 

Dimas faz movimentos repetitivos como estivesse dançando, apontou relatório da Semace (Superintendência Estadual do Meio-Ambiente). O documento, apesar de solicitar algumas melhorias no espaço que abriga os ursos, não coloca restrições à permanência deles no zoológico, mesma conclusão de um relatório do Conselho Regional de Medicina Veterinária, que não identificou maus-tratos nem problemas com o calor no estado.

Luisa Mell visitou o zoológico de Canindé no fim de novembro para tentar um acordo com o zoo, administrado pelo Santuário de São Francisco das Chagas para levar os ursos ao interior de São Paulo, onde sua ONG tem um espaço que abriga animais. Segundo ela, a ONG tem condições de abrigar bichos de grande porte. Não houve entendimento e a ativista, com a ajuda de outras entidades, diz agora que tentará na Justiça a remoção.

A igreja, que administra o zoológico, espera que eles permaneçam exatamente onde estão. “Somos os guardiões dos ursos. Se não houver uma recomendação contrária dos órgãos competentes, nos mantemos nessa humilde posição. Não ganhamos dinheiro com os ursos, como foi divulgado”, disse o frei Marconi Lins, responsável pelo Santuário e pelo zoológico.

As acusações de que o zoo lucrava com o sofrimento dos animais viralizaram na internet depois que o assunto apareceu nas redes sociais de Luisa Mell, que tem milhões de seguidores. 

Frei Marconi chegou a receber ameaças virtuais. O caso, então, chamou a atenção do Ministério Público Federal. Foram abertos dois procedimentos investigativos, em dezembro. Um apurava a prática de racismo contra o povo de Canindé e do Ceará, e outro de possível violação à proteção do patrimônio cultural e material do município, que tem nas romarias uma das principais fontes de recurso.

O Ministério Público Federal arquivou o caso de violação a patrimônio por falta de provas e declinou da competência da investigação de racismo porque avaliou se tratar de ofensa pessoal, que não seria atribuição do órgão. 

O relatório elaborado pela Semace entendeu que o zoológico poderia receber os ursos, desde que algumas adaptações fossem feitas no espaço destinado a eles.

Entre os pontos, estão colocar rochas ou plataformas em diferentes níveis para os animais transitarem, criar um corredor de segurança para os tratadores, aumentar de 178 m² para 200 m² o espaço e providenciar placa informativa com identificação da espécie e distribuição geográfica (só tinha a identificação da espécie). 

O prazo é até o final deste mês, o qual pretendem cumprir os administradores. Mas mesmo que o zoológico não termine a reforma, a Semace informou que não tem alcance para pedir a retirada os ursos, somente para impedir o funcionamento do equipamento. Por isso o caso deve mesmo acabar nos tribunais. 

ZOO COMEÇOU COM DOAÇÃO DE CABRAS POR FIÉIS

A história do zoológico começa nos anos 1970, quando os devotos de São Francisco levavam animais como oferta —galinhas, cabras e até macacos e tartarugas de pessoas que viajam do Norte do país. 

A igreja entendeu que não podia se desfazer dos animais, pelo simbolismo das ofertas, e criou um espaço para guardá-los. 

Como os bichos doados se multiplicaram, há 30 anos o Santuário recebeu autorização para formar o zoológico próximo à praça do romeiro, no centro de Canindé. 

“Temos cerca de 300 animais, leão, onça pintada, claro não como doações. O leão foi comprado porque estava sofrendo em um circo. Todos são bem tratados”, disse o frei.

“A maioria do pessoal que visita nosso santuário, nosso zoológico, é gente simples, do Norte e do Nordeste. O romeiro vem aqui e gosta de ir [ao zoo], por isso vale a pena mantê-lo”, disse Lins. 

O ingresso custa R$ 3 e a arrecadação mensal não chega aos R$ 20 mil —a manutenção passa dos R$ 60 mil e a diferença é paga, segundo Lins, justamente com o dinheiro da doação dos romeiros.

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