Mania das patinetes causa transtornos nas ruas de Paris

Cidade criou lei para regulamentar forma de transporte; SP também terá regras

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Paris

"As ruas de Paris viraram cenário de um faroeste onde impera a anarquia". A descrição caricatural é da ministra dos Transportes da França, Elisabeth Borne, e se refere à recente proliferação das patinetes elétricas.

Hoje há cerca de 15 mil aparelhos disponíveis para aluguel de curta duração na cidade, onde atuam 12 operadores. A expectativa é de que a frota chegue a 40 mil até o fim de 2019 --um ano e meio depois de começarem a desembarcar às margens do Sena.

Uma caminhada por Paris mostra que a caracterização da ministra, ainda que exagerada, tem âncora na realidade.

Paris vai tornar obrigatório o uso de capacetes e itens de segurança para andar de patinetes
Paris vai tornar obrigatório o uso de capacetes e itens de segurança para andar de patinetes - Charles Platiau - 9.nov.2018/Reuters

Transtornos semelhantes viraram realidade em São Paulo desde a recente proliferação das patinetes, que disputam espaço com pedestres nas calçadas, e inflam o número de acidentes no trânsito. A prefeitura estuda regras para delimitar a prática.

Em Paris, na tarde de quinta-feira (9), no distrito de Jardim do Luxemburgo, a maior parte dos usuários circulava sem capacete, e vários levavam mais um passageiro.

Quase nenhuma patinete disputava espaço na calçada com os pedestres, mas era impossível percorrer um quarteirão sem trombar com uma fileira delas estacionadas.

Para dar um arcabouço normativo ao veículo caçula e enquadrá-lo no código de trânsito, a ministra Borne anunciou, em maio, um decreto que entra em vigor em setembro.

Quem trafegar pela calçada será multado em 135 euros (R$ 600). O prejuízo para quem ultrapassar 25 km/h vai ser de 1.500 euros (R$ 6.700).

Para crianças de até 12 anos, o porte de um capacete será obrigatório. Será proibido conduzir com fones nos ouvidos. Buzina, lanternas e retrovisores, além de freios, virarão itens incontornáveis.

As medidas valem para todos os dispositivos que se enquadram na denominação equipamentos de deslocamento pessoal (EDP). A categoria inclui skates elétricos, hoverboards (espécie de skate turbinado), girópodos (como aquele do qual George Bush filho certa vez despencou) e monociclos elétricos.

A Prefeitura de Paris já havia anunciado um pacote para regulamentar a circulação dos EDPs. A normativa prevê que as operadoras paguem uma taxa por cada patinete em funcionamento (que varia entre 50 e 65 euros, ou entre R$ 220 e R$ 290, segundo o tamanho da frota).

A verba arrecadada com esse tributo será usada, diz a administração municipal, para criar 2.500 vagas de estacionamento para os aparelhos.

Especialistas elogiam a definição de parâmetros, ainda que façam ressalvas pontuais. Um dos pontos contestados no decreto nacional é o que fixa a obrigatoriedade de circulação em ciclovias (não tão comuns na França quanto em países vizinhos) ou em pistas nas quais os carros não ultrapassem os 50 km/h.

"O ideal seria abaixar o limite de velocidade dos veículos que podem se chocar com as patinetes", diz a antropóloga urbana Sonia Lavadinho, especialista em novos usos do espaço público. "Quanto mais próximas as velocidades permitidas aos diferentes automóveis, menor o risco de acidentes."

Não há dados relativos ao ano passado, quando ocorreu o "boom" das patinetes, mas um levantamento do jornal Le Parisien mostrou que, de 2016 para 2017, o número de feridos em acidentes envolvendo o aparelho (em suas versões mecânica e elétrica) subiu 23% no país todo --foi de 231 a 284. Houve cinco mortes nos últimos dois anos --apenas uma havia sido registrada em 2016.

Paris lidera o ranking de ocorrências. Alguns fatores explicam por que a cidade se tornou, no último ano, uma espécie de capital mundial da patinete elétrica.

Em primeiro lugar, as dimensões do perímetro urbano parisiense estimulam o uso do aparelho. Menos de 10 km separam o norte do sul. Entre leste e oeste, são 18 km. Para evitar ônibus e metrô lotados, os EDPs surgem como alternativa razoável.

Além disso, há que considerar a quase declaração de guerra feita pela prefeita Anne Hidalgo aos carros particulares. Em 2018, ela transformou um trecho extenso das vias expressas à beira do Sena em zona pedestre.

Menos sucesso tiveram o plano (abandonado no começo de 2019) de tornar gratuito o transporte público e a mudança de operador no sistema municipal de aluguel de bicicletas, no ano passado.

Uma das pioneiras na implantação de um mecanismo de empréstimo de bikes, em 2007, Paris atravessou meses com aparelhos quebrados ou dotados de pouca autonomia; metade da rede de estações chegou a ficar inoperante.

Há quem diga que foi justamente essa debacle que abriu um flanco para a "invasão" das patinetes, pelas quais se paga por tempo de uso (meia hora custa 5,50 euros, ou R$ 24).

A Federação dos Profissionais da Micromobilidade prevê que em 2022 serão vendidas na França entre 900 mil e 1 milhão de patinetes elétricas.

O consultor Federico Ibargüen, 42, acaba de se integrar à estatística. Trocou seu scooter por uma patinete. "Saí do [meio de transporte que emite] dióxido de carbono. Virei multimodal: uso ônibus, metrô, tramway e, nos últimos quilômetros, patinete", diz. "Ganhei em mobilidade, porque não preciso procurar lugar para estacionar."

A pesquisadora em urbanismo e organização espacial Marie Huyghe diz que o apelo da patinete e de outros meios de transporte "limpos" vai aumentar. "O argumento ambiental não funciona", afirma ela. "As pessoas não acham que suas pequenas práticas cotidianas contribuam para o aquecimento global."

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