Descrição de chapéu Obituário Gianni Carta (1963 - 2019)

Mortes: Jornalista ensinou tênis para estudar ciência política e era crítico do Brasil

Gianni Carta morou em NY, Londres, Paris, e desiludiu-se com país que deixou aos 15 anos

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São Paulo

Gianni Carta por vezes escondia, lançando mão de discrição, a trajetória rica. Garçom na adolescência, professor de tênis dos ricaços de Beverly Hills para bancar seus estudos na Universidade da Califórnia (UCLA), correspondente internacional havia 25 anos em Nova York, Londres e Paris, ele lidava com aqueles que o rodeavam como se não ligasse para grandes marcas de quem era: repórter renomado e filho de Mino Carta, fundador e diretor de redação da revista CartaCapital.

O senso de humor e a gentileza foram traços de personalidade que despontaram cedo.

“Na infância, até os três anos de idade, ele tinha os olhos muito puxados, e então dizia que seu sonho era ser motorista japonês”, lembra seu pai.

Colegas de redação de CartaCapital têm lembranças similares. “Tinha um humor muito ácido, com sacadas rápidas, brincando com tudo, mas também levando os acontecimentos muito a sério”, diz o jornalista Matheus Pichonelli.

A veia política às vezes o traía, tirando-o do ponto de equilíbrio. Era um “idealista, romântico”, nos dizeres de Manuela Carta, sua irmã e publisher de CartaCapital. “Brigava calorosamente pelo que acreditava.”

Ainda adolescente, Gianni comandou a primeira greve de alunos do Dante Alighieri, colégio tradicional frequentado pela elite paulistana. A mobilização tinha como alvo o elevado valor das mensalidades.

O jornalista Gianni Carta
O jornalista Gianni Carta - Divulgação

Em 2017, recuperando-se de uma cirurgia de 11 horas para tratar de câncer nas vias biliares (cujas complicações acabariam vitimando-o no último 5 de maio), decidiu viajar para o Sul e acompanhar caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele estava no ônibus que foi atingido por tiro em março daquele ano. Gianni finalizava documentário sobre o petista, que será lançado em breve.

Ele cobriu conflitos nos Bálcãs, na Faixa de Gaza, no Egito, no Afeganistão. Escreveu livros sobre jornalismo, tênis, Giuseppe Garibaldi. Mergulhava nos assuntos obsessivamente, como um "scholar" norte-americano, diz seu pai.

Entrevistou figuras célebres como Jorge Amado, em Paris; Dina Vierny, a musa de Henri Matisse; Maurice Girodias, editor de "Lolita", de Vladimir Nabokov, e amigo de Andy Warhol e Henry Miller.

“Ele gostava de presenciar esses momentos históricos, tinha alegria de estar ali. Não queria saber de câncer, passou dias comendo mal, dormindo mal, para viver aquilo [a caravana]”, diz Manuela.

Poliglota, revezava com fluência português, inglês, espanhol, francês, italiano. "Com o pé em cima da mesa, o que caía na linha ele falava", diz Pichonelli.

Diferentemente do que se poderia esperar, afirma, o antigo chefe —Gianni foi editor do site de CartaCapital— promovia um clima democrático de discussão em um momento em que o debate sobre horizontalidade não estava ainda em voga.

"Era uma boa pessoa, acima de tudo. Nunca teve postura de filho do diretor da revista ou de alguém que estava lá para nos ensinar. Queria ouvir e aprender também". Seu pai diz que ele era "incapaz de se pontificar."

O nomadismo de Gianni, que saiu do país aos 15 anos e voltaria apenas para breves temporadas, tinha raízes em ausência de apreço pelo Brasil, segundo seu pai.

“Ele viu que o país não dava pé e deu no pé. E estava certo, o Brasil está perdido e acabado. É um país de malucos onde a demência foi elevada à forma de governo”. A irmã, Manuela, complementa ao afirmar que ele se identificava mais com a Europa do que com o Brasil recentemente.

Mino Carta diz que a morte com pouca idade —no caso do filho, 55 anos— é uma tradição familiar, como o jornalismo: tanto o avô como um dos tios de Gianni morreram também jovens.

Ele morava com a esposa, a desenhista de figurinos Valérie Ranchoux-Carta, em Montreuil, bairro na periferia de Paris. Deixa dois filhos, Sophia e Nicholas. Será cremado na terça-feira (14), no cemitério Père-Lachaise, na capital francesa, em cerimônia próxima ao túmulo de Jim Morrison, cuja música apreciava. A seu pedido, o evento não terá qualquer conotação religiosa.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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