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Marcella Franco

Perseguidores são vaidosos e não enxergam limites

Fica fácil admitir que uma lei de criminalização vai cair muito bem, obrigada

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Desde que criei meus perfis nas redes sociais de que faço parte, Facebook e Instagram, faço uso deles nos conformes do que é esperado de um inscrito: finjo uma vida plena, posto um textão ou outro, interajo com likes e comentários e, claro, xereto a vida alheia. 

Como jornalista, tenho quase carta branca para bisbilhotar com ainda mais força, já que é pelas redes sociais que muitas vezes encontramos personagens e cobrimos crimes, por exemplo.

Mas, mesmo com esse hábito tão comum entre meus iguais —seres humanos e/ou repórteres—, mesmo admitindo, só por hoje, a tentação de visitar perfis de desconhecidos por alguns minutos além do necessário, é importante dizer que, ainda que pudesse, nunca usei o que encontrei nas redes contra ninguém. E acho que é por isso que abomino com ainda mais força quem o faz. 

Houve episódios em que fui ameaçada de morte seguidas vezes, por exemplo, via caixa de comentários em uma coluna que mantive no portal da emissora em que trabalhava. 

Quando escrevia textos polêmicos, os que se sentiam ofendidos prometiam me esperar na saída do trabalho. Acontecia especialmente quando o assunto era feminismo, mas também me juraram de morte os maratonistas que não gostaram quando fiz graça dos corredores amadores.

Você sabe que está sendo “stalkeada” porque o “stalker” é invariavelmente um vaidoso. Ele gosta que você saiba que é observada, e gosta, especialmente, de ser temido e, com isso, validado. Além das ofensas e intimidações inbox, à época também acompanhei aqueles que me odiavam ironicamente curtindo minhas fotos. E eles sabiam que curtir fotos quando se é um “stalker” é coisa para profissional —não basta clicar em uma, é preciso clicar em todas. 

Um tempo depois, a perseguição começou a vir não de anônimos, mas de alguém a quem eu conhecia muito bem. Quer dizer, achava que conhecia, porque como é que você namora alguém que é capaz de, depois de um rompimento, usar o que você tem em suas redes sociais para intimidar e fingir poder? 

Foi após uma separação que passei a receber mensagens que diziam ter “evidências” de um suposto comportamento errático de minha parte. Eu colecionaria amantes. Eu seria ladra. Eu teria usado o fim da relação como motivo para encher minhas malas de itens que não me pertenciam, para depois 
esvaziá-las na sala dos novos homens para quem eu estaria abrindo as pernas e o coração.

Fui ameaçada porque deixei de amar um homem e, assim, o quis fora da minha vida. Mas um stalker possuído pelo ódio e cego pela rejeição não enxerga limites entre o que é público e privado. 

Retratos em perfis abertos de redes sociais têm, para este tipo de personalidade, o mesmo valor daquilo que se passa da porta da nossa casa para dentro: ele tem direito a tudo, das fotos às cenas cotidianas das quais ele não faz parte. 

Ainda assim, acho importante dizer que, depois disso e até hoje, todas as minhas contas são abertas, tanto no Facebook quanto no Instagram. Estão lá pedaços da minha vida que escolho divulgar, e a possibilidade de, dado o fato de ser assim acessível, manter contato com pessoas distantes, fazer novos amigos e criar redes de contato profissional. Cabeça erguida e configurações inalteradas. 

É que penso que, ainda que se aprenda que no bom senso alheio não é possível ter fé, a gente ainda segue acreditando que há no ar uma proteção divina, do acaso ou dos orixás. E é óbvio que, diante de um panorama pessoal tão frágil e ingênuo quanto este, fica fácil admitir que uma lei de criminalização vai cair muito bem, obrigada.

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