Programa de Covas para cracolândia prioriza acolhidas terapêuticas

Tucano retoma políticas da gestão Haddad, como bolsas, mas também diz encorajar abstinência

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São Paulo

O prefeito de São Paulo Bruno Covas (PSDB) sancionou nesta segunda-feira (20) o projeto de lei que institui a política municipal de drogas e reformula o programa Redenção, que agora oferecerá aos dependentes químicos moradias temporárias aliadas ao cuidado médico e social. A prefeitura diz que pretende avaliar cada caso e oferecer tratamentos que vão desde aqueles que encorajam a abstinência até ações para redução de danos.

A criação de uma segunda fase do Redenção é a tentativa de Covas de dar uma solução à cracolândia, após um ano no cargo. A estratégia se afasta da abordagem linha-dura do ex-prefeito João Doria (PSDB), que, no começo da gestão, pretendia internar os usuários à força e tem pontos em comum com o programa Braços Abertos, criado pela gestão de Fernando Haddad (PT), que tinha foco nos direitos humanos.

​Covas aposta na implementação do Siat (Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica) no segundo semestre deste ano. A ideia é oferecer respostas em três etapas, dependendo do estágio do tratamento em que se encontra cada usuário: abordagem, acolhida temporária (por até dois anos) e profissionalização. A prefeitura vai usar equipamentos já existentes, como dois hotéis sociais da gestão Haddad, que agora ganham novo nome.

O programa prevê ainda 300 bolsas de trabalho de R$ 698 para os dependentes químicos. Segundo a prefeitura, eles receberão capacitação profissional e deverão cumprir uma carga de 4 horas diárias e 20 horas semanais.

As bolsas eram oferecidas no extinto Braços Abertos e criticadas por quem considerava que o dinheiro poderia financiar o vício. Segundo Covas, a diferença é que agora o valor só será pago a quem estiver na fase final do tratamento.

"Na gestão anterior [Haddad] a bolsa era vista como parte do tratamento. Agora a gente vê como uma ação já na fase de reinserção na vida social. Antes era vista como uma 'bolsa droga', agora é uma porta de saída", disse o prefeito.

Até 2020, Covas pretende investir R$ 276 milhões no programa, três vezes mais que o total de recurso dos dois últimos anos. A promessa é reduzir em 80% o número de usuários na cracolândia —meta vista como difícil de ser atingida por quem acompanha sucessivas incursões frustradas na região.  

"Se trata de um problema crônico de saúde pública, que não se resolve da noite para o dia. É necessária uma política de médio e longo prazo para que a cidade possa enfrentar esse tema", afirmou o prefeito. 

A rede municipal para atender os dependentes químicos já conta com 464 UBS (Unidade Básica de Saúde), 20 hospitais, 93 Caps (Centros de Atenção Psicossocial), 23 centros de convivência (onde o usuário pode passar o dia) e 62 serviços de residências terapêuticas (são como uma república com aluguel pago pela prefeitura, onde até 10 pessoas residem).

A gestão não descarta ainda parceria com as comunidades terapêuticas, que são instituições, em geral de cunho religioso, que tratam dependentes. Elas não são unidades de saúde, mas entidades filantrópicas. Algumas já foram acusadas de violações de direitos —de trabalho forçado a punição física. 

O coordenador do Redenção, o médico Arthur Guerra, admite que parcerias da prefeitura com comunidades terapêuticas não deram certo em experiências anteriores na capital paulista.

Tais instituições, no entanto, ganharam espaço no projeto de lei recém-aprovado no Senado que institui a nova política de drogas no âmbito nacional. O texto, que também prioriza a abstinência como objetivo do tratamento da dependência química e a internação involuntária de usuários de drogas, aguarda sanção do presidente Jair Bolsonaro.   

“Estamos aguardando uma portaria que vai definir como devem funcionar essas comunidades terapêuticas. Se algum usuário for se beneficiar da abordagem religiosa, não vejo por que não”, disse Guerra.

Para Covas, o modelo paulistano não vai contra a lei federal, mas é mais abrangente ao considerar que o “principal tratamento é a singularidade”. A abstinência é o ideal, explica, mas quem não tiver sucesso receberá cuidados enquanto segue fazendo uso das substâncias.

Já a internação involuntária não é prioridade, segundo a prefeitura. “Nós já tivemos 10 mil internações voluntárias para desintoxicação. As involuntárias correspondem a só 0,03% dos casos”, afirma Guerra.

O Redenção foi criado em maio 2017 pelo então prefeito João Doria para substituir o Braços Abertos. No entanto, nunca foi plenamente implementado. O programa mantinha parte da estrutura herdada sob novo nome e alguns serviços paliativos, como consultório de rua e tendas de descanso que oferecem assistência aos usuários de drogas.

Também foi acompanhado de uma série de operações policiais que terminaram por dispersar os usuários de crack. Na época, Doria chegou a dizer que a cracolândia tinha acabado.

Nesta segunda-feira, Covas afirmou que as ações não acabaram com a cracolândia, mas fizeram com que a prefeitura pudesse voltar a prestar assistência no local, onde "o poder público era impedido de entrar até mesmo para fazer a coleta de lixo". 

"Com a ação desenvolvida em 2017, nós pudemos comemorar o fim de áreas controladas pelo tráfico. Tínhamos no fluxo algo em torno de 4.000 pessoas por dia e hoje temos algo em torno de 400 durante o dia e 1.500 durante a noite", disse.

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