Acidente com poste revela falta de regulação sobre segurança das estruturas

Repórter atingido no braço por peça descobre que nenhuma empresa se responsabiliza

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Um acidente com uma peça que caiu de um poste durante manutenção revelou um jogo de empurra, em que empresas e prefeitura tentam se eximir da responsabilidade pela segurança dos pedestres na via pública.

Empresa Icomon, terceirizada da Vivo, faz manutenção em poste no bairro de Perdizes, em São Paulo
Empresa Icomon, terceirizada da Vivo, faz manutenção em poste no bairro de Perdizes, em São Paulo - Carlos Bozzo Jr./Folhapress

Na manhã de 20 de abril, este repórter foi atingido no braço, na calçada da rua dr. Cândido Espinheira, no bairro de Perdizes, zona oeste da capital paulista, por uma pesada roldana de cerâmica. A peça se desprendeu de um poste no momento em que dois funcionários da empresa Icomon, prestadora de serviços terceirizada pela Vivo, realizavam manutenção em cabos de fibra ótica, sem ter isolado a calçada no local.

No momento do acidente, os funcionários da Icomon não atenderam a solicitação do repórter atingido pela peça para que isolassem a área ou que chamassem um supervisor.

O repórter, então, registrou boletim de ocorrência na Polícia Militar e procurou a empresa Icomon, que em seus veículos adesiva um número de telefone com os dizeres: “Sugestões para melhoria”.

Nesse número, ao invés de ser atendido por uma pessoa ou gravação, ouve-se apenas um samba —sim, uma música gravada nesse gênero exaltando na letra a segurança que se deve ter durante o trabalho.

Ligações para outro número que constava na internet como sendo da empresa tiveram o mesmo resultado: ninguém atendeu e não havia gravação informando horários e dias de atendimento. Não foi possível achar um site ou outros telefones da empresa na internet.

O empurra-empurra sobre a responsabilidade pelo acidente envolveu a Icomon, a Vivo (que a contratou para fazer a manutenção), a Prefeitura de São Paulo (que seria responsável pela via pública) e a Enel (empresa que substituiu a Eletropaulo, concessionária da rede elétrica da cidade e responsável pelo poste).

Pedaços da peça que caiu do poste e atingiu o repórter
Pedaços da peça que caiu do poste e atingiu o repórter - Carlos Bozzo Jr./Folhapress

Durante um mês, o repórter atracou em todos esses portos em busca de respostas, sem obtê-las. A quantidade de números de protocolos registrados (6) —alguns tidos como inexistentes quando posteriormente solicitados para registrar queixa na ouvidoria da Enel—, nomes de atendentes (16), e-mails enviados (12) e horas desperdiçadas nessa função (incalculáveis) foi grande.

O repórter procurou canais disponíveis da Vivo, como o Atendimento Vivo e ouvidoria. O resultado foi o mesmo: protocolos, telefonemas, e-mails relatando o fato, além da leviana orientação de um dos muitos atendentes para que eu fosse ao tribunal de pequenas causas e processasse a empresa Icomon. Segundo ele, “a Vivo não tem nada a ver com isso”.

No número 156, da prefeitura de São Paulo, o repórter explicou o fato e perguntou de quem era a responsabilidade sobre ele. Foi informado pela atendente que “nesse caso, infelizmente não tenho como ajudar o senhor, a gente não pode abrir esse tipo de solicitação, pois como é da Vivo o senhor tem que procurar diretamente a Vivo”. Vários números de protocolos, telefonemas, conversas e emails detalhados depois, fui informado de que a responsabilidade era da Ilume (Departamento de Iluminação Pública), que depois a atribuiu à Enel. 

Nenhum órgão municipal ou empresa deu resposta satisfatória ao caso. Dias depois do ocorrido, o repórter recebeu uma ligação de um funcionário da Enel, que queria restaurar um poste em um endereço totalmente diferente de onde ocorrera o fato —mostrando que a empresa registrara o ocorrido em seus sistemas como uma solicitação de troca do poste, e não como um acidente envolvendo uma dessas estruturas.

O périplo do repórter mostra que, apesar de os postes estarem em via pública e de sua manutenção oferecer riscos aos passantes, o cidadão que for vítima de acidente envolvendo uma das empresas que neles realizam serviços não tem a quem recorrer.

Procurada, a assessoria de imprensa da Prefeitura de São Paulo disse ao repórter que a responsabilidade era da Enel, já que “a Ilume é responsável apenas pela rede de iluminação pública, lâmpadas e luminárias em postes de concreto”. 

A Enel, por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que a responsabilidade é da Vivo. Em nota, a empresa disse que “a Enel Distribuição São Paulo informa que possui mais de 1,2 milhão de postes espalhados nos 24 municípios da sua área de concessão".

"A Lei Geral de Telecomunicações obriga as empresas de distribuição de energia a fornecer acesso aos postes de distribuição pelas empresas de telecomunicação, ficando a utilização limitada à capacidade excedente conforme adicionado pela Resolução Conjunta Aneel/Anatel e ANP n° 001/1991. É importante destacar que a Enel Distribuição São Paulo não é responsável pelos ativos das demais empresas que utilizam os postes, uma vez que é obrigada por legislação apenas a conceder o acesso. Ainda, segundo a Resolução nº 4/2014 da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e ANP (Agência Nacional de Petróleo), as empresas de telecomunicação são obrigadas a identificar e realizar a manutenção de seus equipamentos, bem como são responsáveis por atenderem ocorrências envolvendo seus ativos."

A assessoria de imprensa da Vivo não respondeu à solicitação do jornal até a publicação deste texto.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.