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Desarranjo político-financeiro mantém ameaça sobre Crivella

Prefeito deve se livrar do impeachment na semana que vem, mas acúmulo de erros mantém mandato sob risco

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Rio de Janeiro

Em 20 de março, Antônio Carlos Garcez, então superintendente da Pavuna, zona norte do Rio de Janeiro, encontrou Maria de Fátima Ribeiro de Sousa sentada em sua cadeira de trabalho.

Indicado ao cargo sete meses antes pelo vereador Jair da Mendes Gomes (PMN), Garcez não lera o Diário Oficial do Município naquele dia. A edição trazia os decretos de sua exoneração e nomeação da sucessora assinados pelo prefeito Marcelo Crivella (PRB).

O episódio ilustra um dos motivos que levaram parte da base de Crivella a se rebelar e apoiar um inédito processo de impeachment na cidade, o qual culmina nesta terça (25).

A tendência é o plenário  mantê-lo no cargo, seguindo  relatório da comissão processante que considerou ilegal a extensão de contratos de concessão para instalação e exploração de publicidade em mobiliário urbano (pivô do processo), mas isentou Crivella.

A análise dos contratos, contudo, foi só uma das formas de os vereadores retaliarem sucessivos descumprimentos de acordos. A provável vitória do prefeito não garante a Crivella completar seu mandato.

Eleito em 2016 com 4 dos 51 vereadores de sua coligação, ao longo de dois anos e meio ele foi abrindo espaço na prefeitura para novos aliados. Vereadores, contudo, relatam falta de traquejo nas negociações, que se sobrepunham.

A distribuição de cargos na estrutura municipal ocorreu porque Crivella precisava aprovar projetos de leis impopulares na Câmara, como subir o IPTU e taxar servidores inativos. Também precisava bloquear quatro pedidos anteriores de abertura de processos de impeachment.

Mas a sobreposição fez com que Crivella acumulasse desafetos na Câmara, e em abril a Casa abriu o processo atual.

O prefeito, segundo interlocutores, se diz vítima de um complô em razão de medidas de sua gestão que contrariaram interesses de grupos como empresas de ônibus, organizações sociais do setor de saúde e concessionárias como a Lamsa, que administra a Linha Amarela.

Ao longo dos 81 dias do processo, Crivella fez novos acordos. Sacramentou o apoio do PP ao ceder duas novas secretarias, refez pontes com alguns vereadores —renomeou Garcez— e prestigiou o aniversário do presidente da Câmara, Jorge Felippe (MDB).

A articulação o ajudou a salvar o mandato. Mas é o fato de a Lei Orgânica do Município prever eleição direta em caso de vacância do cargo até o terceiro ano de mandato que torna provável sua permanência. 
Sem o vice-prefeito Fernando MacDowel, morto no ano passado, um impeachment agora exigiria a substituição por meio do voto popular.

Formada majoritariamente por partidos do centro, a Câmara não quer o risco de ter na Prefeitura um nome apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) ou pelo deputado Marcelo Freixo (Psol), favoritos em um pleito antecipado.

Há expectativa de uma nova denúncia ser protocolada em outubro, o que poderia levar à queda de Crivella em janeiro e dar aos vereadores a escolha do substituto. 

O prefeito ganha quatro meses para selar o apoio de 18 dos 51 vereadores e evitar um impeachment. Para tanto, porém, precisaria atender a demandas de eleitores desses vereadores. Mais do que cargos, os políticos se queixam da falta de atenção com suas bases eleitorais, que pedem coisas como poda de árvore, coleta de lixo e asfaltamento de ruas.

Vereadores durante a sessão em que foi aprovada a abertura de processo de impeachment do prefeito Marcelo Crivella - Reprodução/Twitter Câmara Oficial

A tensão cresce com a proximidade das eleições municipais no ano que vem. “Os vereadores deram à prefeitura R$ 4 bilhões em arrecadação [com o IPTU e outras leis]. Agora precisam que a máquina funcione”, diz o vereador Paulo Messina (PRB), ex-secretário de Crivella.

Esse atendimento exige capacidade financeira da prefeitura, em grave crise. Durante o processo de impeachment, por exemplo, o município suspendeu o pagamento da dívida com o aterro sanitário que recebe o lixo da capital, gerando ameaça de paralisação na coleta. Parte da dívida foi abatida, mas há passivo aberto.

Vereadores adiaram a análise das contas de 2017 do prefeito para usar as ressalvas apontadas pelo Tribunal de Contas do Município num eventual novo pedido de impeachment. Pessoas que acompanham as finanças da prefeitura preveem problemas nos serviços públicos no último quadrimestre do ano em razão da crise financeira. 

Em ambiente político desfavorável e com possibilidade de sucessão indireta, um novo pedido tendo como base a má gestão é visto como o suficiente para derrubar Crivella.

“A gestão Crivella é um governo morto. Não avança. O preço para se livrar de um impeachment é caro”, diz o vereador Paulo Pinheiro (Psol). 

O líder do governo na Câmara, vereador Jairinho (MDB), diz ter esperança. “A situação financeira é preocupante, mas com boa gestão, é possível manter uma base de apoio.”

RITO DO PROCESSO DE IMPEACHMENT CONTRA CRIVELLA*

1. Para processo ser instaurado, é necessário aprovação pela maioria dos vereadores presentes na sessão

→ Foi aprovado com 35 votos dos 51 presentes

2. Presidente da Câmara sorteia o nome de três vereadores para integrarem a comissão de impeachment

→ Foram sorteados William Coelho (MDB), Luiz Carlos Ramos Filho (Avante) e Paulo Messina (PRB)

3. Presidente da comissão de impeachment tem cinco dias para iniciar os trabalhos e notificar o prefeito sobre a acusação.

4. Prefeito tem dez dias para se defender.

5. Após a defesa do prefeito, comissão tem cinco dias para votar pelo arquivamento ou recebimento formal da denúncia. O arquivamento, neste caso, deve ser submetido ao Plenário.

→ Comissão recebeu a denúncia e iniciou a apuração do caso

6. Recebida a denúncia, a comissão deve produzir provas e ouvir testemunhas. Ao final, da instrução do processo, o prefeito tem cinco dias para apresentar nova defesa. Depois disso, a comissão emitirá seu parecer final e solicita a convocação do plenário para decidir sobre o caso.

→ Comissão isentou Crivella de responsabilidade pela renovação dos contratos de concessão da exploração de mobiliário urbano

7. O prefeito pede o cargo definitivamente se for considerado culpado por dois terços (34 dos 51 vereadores) ou mais dos membros da Câmara.

→ Votação em plenário está prevista para a terça-feira (25)

8. Todo o processo tem 90 dias desde a notificação do prefeito para ser concluído. Caso o prazo se esgote, o processo será arquivado automaticamente.

→ Vereadores levaram 81 dias para concluir o processo

*Rito definido pelo Decreto-lei 201 / 1967, que trata dos crimes de responsabilidade de prefeitos e vereadores.

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