Descrição de chapéu
Renato Sérgio de Lima

Entre o amadorismo e um crime de responsabilidade

A questão é saber se esta enorme confusão foi feita por amadorismo ou se a medida foi propositalmente pensada

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Em meio à uma enorme confusão de versões e de manobras legislativas que visam impor a sua vontade ao Parlamento e ao Poder Judiciário, o governo Bolsonaro conseguiu criar um verdadeiro caos jurídico e institucional ao revogar os decretos sobre posse e porte de armas de fogo que tinha publicado no começo deste ano e que estavam sendo questionados. 

Na iminência de serem barrados pela Justiça e pelo Congresso, Jair Bolsonaro revogou, em dois dias, os dois primeiros decretos; editou quatro novos decretos sobre a matéria; revogou novamente um dos quatro publicados e enviou um projeto de lei, para estender o conceito de posse para toda a área de propriedades rurais e não mais apenas às casas de fazendas e sítios.

Agora temos, em tese, um decreto que versa sobre a posse, outro sobre o porte, e um terceiro sobre as armas de colecionadores. Na prática, seguindo a dica do Ministro da Educação, Abraham Weintraub, o governo produziu uma verdadeira balbúrdia e é quase uma missão impossível tentar entender, por ora, os impactos e o alcance das alterações. 

Mas, para se ter uma ideia da confusão provocada, análise do Instituto Sou da Paz sobre os decretos encontrou uma série de inconsistências e atropelos. Segundo ela, todos os decretos de 25 de junho seguem o padrão dos anteriores e foram elaborados sem qualquer transparência e às pressas.

A falta de cuidado pode ser evidenciada pela falta de assinaturas do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e da Defesa, Fernando Azevedo Silva, junto às do presidente e o Ministro Onyx (Casa Civil), como foi feito nas edições passadas.

Agricultor foi condenado a três anos de prisão depois de atirar acidentalmente em sua casa com uma arma ilegal
Nos últimos dias, governo Bolsonaro tem feito idas e vindas com decretos relativos a posse e porte de armas no Brasil - Getty Images

Sobre o porte de armas, os novos decretos trazem alteração significativa, não mais listando as categorias e condições antes explicitadas nos decretos anteriores. Já sobre a posse, suprimiu-se a necessidade de apresentação de declaração de efetiva necessidade prevista expressamente em lei.  A Polícia Federal perdeu a prerrogativa de negar registro se não forem verdadeiros os fatos e as circunstâncias afirmados pelo interessado. 

Sobre as categorias de armas, os tipos de armas liberados em maio seguem valendo. Ampliação da potência das armas em quatro vezes, o que permite que civis tenham acesso a armas de uso militar e policial (como espingardas, carabinas, rifles, além de pistolas em calibres antes restritos). Os decretos também eliminaram as quantidades máximas de armas e munições previstas no decreto de maio. 

Há artigos diferentes com requisitos sobre compra de armas, com textos diferentes no Decreto 9.845 e no Decreto 9.847. Há ainda a repetição de trechos inteiros sobre definições de armas de fogo de uso permitido e uso restrito. No Decreto 9.845 há prazo de 10 anos de validade de Certificado de Registro (para posse). No 9.847 aparentemente esqueceram de trazer prazo de validade.

Em suma, em termos legais, os novos decretos (9845, 9846, 9847) não resolveram as principais ilegalidades dos decretos anteriores sobre o mesmo tema, no que se refere a extrapolar os limites legais de regulamentação da Lei 10.826/2003. Pelo contrário, as radicalizaram. 

A questão, contudo, é saber se esta enorme confusão foi feita por amadorismo da assessoria jurídica da Casa Civil, o que já seria vexatório, ou se a medida foi propositalmente pensada como estratégia de imposição da vontade do Executivo a qualquer custo.

Nesse caso, estaríamos diante de um flagrante desrespeito à separação e pleno funcionamento dos Poderes, previsto como crime de responsabilidade pela lei 1079/50.

Diretor-Presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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