Governador do AM diz que não havia como evitar mortes de presos

55 foram mortos na última semana; à Folha, Wilson Lima (PSC) defende secretário

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Manaus

Apesar de um relatório de inteligência ter indicado risco iminente de violência a quatro dias da matança, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), afirma que não havia como evitar os 55 presos assassinados em presídios de Manaus porque o pano de fundo é um racha da facção criminosa Família do Norte (FDN).

"Não sabíamos quem estava do lado A e quem estava do lado B", disse à Folha, em entrevista por telefone.

As primeiras 15 mortes ocorreram no horário de visitas no dia 26, domingo, no Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), o maior presídio do Amazonas. No dia seguinte, houve mais 40 mortes, em quatro unidades prisionais.

"No domingo, foi uma situação atípica, as mortes aconteceram na frente dos parentes, e usaram escova de dente como arma", disse. "E as mortes da segunda-feira aconteceram dentro das celas."

À dir., governador Wilson Lima (PSC) durante visita ao Compaj, em Manaus, na terça-feira (28) - Divulgação

No último dia 22, um relatório produzido pelo Departamento de Inteligência Penitenciária (Dipen), alertava para um "evento de grande vulto" nos presídios de Manaus nos próximos dias e estimava em até 20 presos marcados para morrer. "O estado fez tudo que estava dentro de suas possibilidades para garantir a segurança no sistema prisional", assegurou Lima, 42, que está em seu primeiro mandato.

"Houve um racha entre criminosos de um mesmo grupo, e a gente estava trabalhando para saber quem eram os autores e quem eram as vítimas", disse, ao ser questionado sobre o relatório.

"Quando mandei fazer a revista no sistema prisional [na segunda], muitas celas em que a nossa equipe entrava tinha parceiro do crime matando o outro no 'mata-leão'", disse.

Todas as mortes ocorreram por asfixia ou golpes de arma branca improvisada, segundo o governo. 30 dos 55 mortos estavam presos por tráfico de drogas, de acordo com a Polícia Civil, ou 54% do total. No estado do Amazonas, 25% dos presos são por esse motivo, incluindo as mulheres.

Entre as vítimas, o mais novo é Jairo Alves de Figueiredo, 19, que estava preso por roubo. A polícia não informou a cor/raça dos assassinados.

Na entrevista, Lima defendeu de forma enfática o secretário estadual de Segurança Pública, o coronel da Polícia Militar Louismar Bonates, que, de acordo com relatório da Polícia Federal de 2015, negociou a ampliação do controle da FDN sobre os presídios em troca de "paz nas cadeias".

A reportagem questionou o governador quatro vezes sobre se ele havia conversado com Bonates sobre o teor do relatório. Em todas, repetiu que seu secretário não sofre nenhum processo judicial nem é alvo de investigação do Ministério Público.

Lima disse que nunca conversou com o secretário sobre o teor da negociação, que teria sido feita pessoalmente com um dos líderes da FDN. "Não entramos em detalhe sobre isso."

O relatório da PF foi revelado pela Folha em janeiro de 2017, logo após a primeira matança nos presídios de Manaus, também protagonizada pela FDN, com um saldo de 67 mortos.

Em nota na época, o coronel da Polícia Militar admitiu ter conversado com "representantes da massa carcerária", sem identificar quem, mas negou qualquer acordo.

Procurado novamente pela reportagem na semana passada, ele não respondeu às perguntas enviadas por escrito.

Com cerca de 11,5 mil presos, o Amazonas sofre com uma superlotação de 137%, ou seja, opera com pouco mais do dobro de sua capacidade. Os dados, referentes aos dias antes da matança, são da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap).

"Pra resolver, temos de ampliar presídios e trabalhar na ressocialização de forma mais efetiva. Um dos caminhos é o que a gente vem fazendo lá no Centro de Detenção Provisória Masculino 2, onde 40% dos detentos têm algum tipo de ocupação", afirma Lima, contrário à discriminalização da maconha e de qualquer outra droga.

De acordo com o Seap, o governo negocia com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) a construção de quatro unidades prisionais no interior do Amazonas. Seriam entregues no ano que vem, com 822 novas vagas.

Em Manaus, há o projeto de um novo presídio para mil internos, sem data para o início das obras.

Sobre a empresa paulista Umanizzare, que gere a maioria da população carcerária do estado, Lima afirmou que não renovará o contrato, mas não soube indicar os erros cometidos pela empresa.

Por outro lado, ele afirmou que, por causa da situação financeira do Amazonas, não há como reestatizar a gestão dos presídios.

"Não tenho como fazer concurso público, já entrei no governo com limite de gastos com pessoal estourado. O estado não tem como assumir isso", disse o governador.

O Amazonas tem apenas 62 agentes penitenciários, todos acima de 50 anos, de acordo com a Seap. Já os funcionários terceirizados somam cerca de 1.600, segundo o sindicato que os representa.

Ex-apresentador de um programa de TV voltado para notícias policiais e comunitárias, Lima atribuiu a crescente violência em Manaus ao narcotráfico, ao desemprego e ao inchaço da capital por falta de oportunidades no interior do estado.

"Essa falta de perspectiva, aliada à intensa atividade do tráfico de drogas, fez com que nós chegássemos a essa situação."

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