Grupos de pacientes buscam aval para cultivo de maconha

Anvisa deve regulamentar plantio para fins medicinais apenas por empresas

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Brasília

Excluídas da proposta da Anvisa  (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para regulação do plantio de maconha no país, associações que reúnem pacientes que fazem tratamentos à base de derivados da planta se preparam para entrar na Justiça com ações para garantir direito ao cultivo por conta própria.

Nos últimos anos, ao menos 40 famílias e uma associação já ganharam esse aval. Agora, a ideia é ingressar com novas ações que possam ampliar o número de atendidos por meio de uma autorização coletiva a essas entidades.

Paula Paz e o filho Daniel, de 11 anos, que é autista e usa um óleo a  base de canabidiol e THC contra crises convulsivas
Paula Paz e o filho Daniel, de 11 anos, que é autista e usa um óleo a base de canabidiol e THC contra crises convulsivas - André Coelho/Folhapress
 

Desde 2015, a importação de óleos e extratos à base de derivados da maconha, como o CBD (canabidiol), substância reconhecida por efeitos terapêuticos, é permitida pela Anvisa mediante apresentação de laudos e receita médica. Mas pacientes reclamam dos custos altos, o que faz com que muitos recorram ao autocultivo ou mercado ilegal.

“Precisamos sair da ilegalidade”, diz Margarete Brito, coordenadora da Apepi (Associação de Apoio a Pesquisa e Pacientes de Maconha Medicinal). Há dois anos, a família de Margarete foi uma das primeiras do país a obter aval da Justiça para o plantio de Cannabis em casa.

Hoje, é dos vasos de uma variedade da planta rica em canabidiol que ela extrai o óleo usado no tratamento da filha Sofia, 9, que tem uma síndrome rara que gera convulsões, em um processo que contou com apoio de universidades.

Ao menos três associações se preparam para entrar com essas ações na Justiça Federal.

Além da Apepi, entram na lista a Ama+me, de Belo Horizonte, e a Aliança Verde, de Brasília —esta última com apoio da Defensoria Pública.

Juntas, as três somam cerca de 500 pacientes cadastrados, cujos quadros mais frequentes são os de epilepsia, dores crônicas, autismo e doença de Parkinson.

Os pedidos, que começaram a ser protocolados na sexta (14), têm base na lei 11.343, de 2006, que prevê que a União pode autorizar o plantio “exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados e mediante fiscalização”.

Também ocorrem dias após a Anvisa apresentar uma proposta para liberar o cultivo de Cannabis para pesquisas e produção de medicamentos —mas com regras que restringem a possibilidade apenas a empresas, o que gerou frustração em associações.

Empresas também reagiram, dizendo que o modelo que prevê cultivo em locais fechados pode levar a produtos mais caros do que os que hoje são importados. O presidente da Anvisa, William Dib, diz que a opção ocorre para facilitar a fiscalização.

Para o cirurgião Leandro Ramires, presidente da Ama+me, apesar de a intenção da agência ser boa, o acesso a remédios à base de Cannabis “vai ficar difícil, caro e demorado”.

Enquanto não consegue o aval, Paula Paz, 46, usa óleo que consegue com apoio de outras famílias para o tratamento do filho Daniel, 11, que é autista e tem epilepsia.

Há três anos, o menino toma sob prescrição médica dez gotas do produto, composto por THC e canabidiol, para controle de convulsões.

“Ele convulsiona desde os dois anos, e tinha crises diárias. Eu já tinha testado quase todos os remédios, e ele só piorava. Quando começou a usar o óleo, as crises diminuíram. Hoje, estão controladas.”

Embora tenha obtido aval da Anvisa para importar o produto, ela diz não ter como custeá-lo. “Importar é muito difícil para uma família que tem uma renda baixa ou média. Uma ampola custa em média R$ 1.500, e meu filho tem receita para usar duas por mês”, diz ela, que é vinculada à Aliança Verde.

“Nosso objetivo é ganhar a ação para a gente começar a produzir e cultivar. Temos seis médicos, alguns no atendimento aos pacientes e outros que pesquisam a planta. Queremos ter nossa própria estrutura”, afirma.

Óleo  à base de canabidiol e THC utilizado para tratamento de crises convulsivas decorrentes da epilepsia
Óleo à base de canabidiol e THC utilizado para tratamento de crises convulsivas decorrentes da epilepsia - André Coelho/Folhapress

O presidente da aliança, Rafael Evangelista, diz que, com o aval, a ideia é fazer novas parcerias com universidades para que o plantio e extração de óleos com canabidiol e THC sejam supervisionados.

 

O modelo é semelhante ao aplicado pela Abrace, associação do país que obteve liminar para cultivo em 2017 —e a única a ter esse aval até agora.

Atualmente, o grupo mantém seis estufas, além de laboratório. A dispensação é feita a associados mediante laudos e prescrição médica. O custo fica em torno de R$ 89,90. Para comparação, alguns óleos importados chegam a R$ 1.000.

“Seria uma maneira de fazer com que as pessoas não tenham que se expor a riscos de ter que recorrer ao mercado ilegal”, diz Evangelista.

A empreitada judicial, porém, não é a única investida das associações. O grupo planeja iniciar uma campanha para regulação do cultivo associado, nos moldes do que foi realizado em 2014.

Batizada de Repense, a campanha incluirá um vídeo e a distribuição de mil cartilhas a médicos e deputados com dados de pesquisas sobre a Cannabis medicinal.

O objetivo é buscar apoio para aprovação de projetos sobre o tema. A medida, porém, deve colidir com a posição do atual governo, que tem se declarado contrário à regulação do plantio de Cannabis, e de instituições como o Conselho Federal de Medicina, que diz que faltam evidências científicas sobre o tema.

Desde 2014, no entanto, o conselho autoriza a prescrição de canabidiol para crianças e adolescentes com epilepsia refratária ao tratamento convencional.

Já outras substâncias, como o THC, ainda são vistas com ressalvas por terem efeitos psicoativos –por outro lado, crescem estudos sobre efeitos terapêuticos da substância, presente no único medicamento já aprovado no país a base de cannabis, e indicado para esclerose múltipla. Para Rafael Evangelista, há atraso em relação a outros países. “Toda essa proibição trava a pesquisa científica”, diz.

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