STJ decide que acusados por tragédia na boate Kiss vão a júri popular

Para ministros, sócios da boate e integrantes da banda assumiram risco pelas 242 mortes

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São Paulo

Seis anos depois do incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, a sexta turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu por unanimidade nesta terça-feira (18) que os quatro acusados pela tragédia irão a júri popular, no qual a condenação ou absolvição é determinada por cidadãos.

Os ministros consideraram que os responsáveis pela boate e os músicos da banda que tocava naquela noite assumiram o risco de matar, o chamado dolo eventual —caso em que a Constituição prevê o julgamento por um júri popular. 

O incêndio na casa noturna gaúcha, em 27 de janeiro de 2013, deixou 242 jovens mortos e outros 636 feridos. O fogo começou durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco. Até hoje, ninguém foi responsabilizado criminalmente. 

Nesta terça-feira, o STJ reverteu a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, do fim de 2017, que considerou que os acusados deveriam ser julgados por um juiz de vara criminal da primeira instância, por homicídio culposo —quando não há intenção de matar. 

O recurso foi interposto pelo Ministério Público e pela Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria.

Os réus Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, sócios da Kiss, e Marcelo Santos e Luciano Bonilha, integrantes da banda, que respondem ao processo em liberdade, negam ter conhecimento dos riscos.

Advogado de Spohr, Jader da Silva Marques argumentou que a boate estava regular. "Embora com algumas pendências, o Ministério Público nunca pediu que ela fosse fechada. O Corpo de Bombeiros e a prefeitura não embargaram o estabelecimento, que tinha alvará."

No seu voto, o ministro relator Rogério Schietti afirmou que há nos autos indicação de uma série de irregularidades graves.

"Local escuro, funcionários sem treinamento, tudo isso somado, qual a situação que poderia ter? Poderia ter sido tiro, grito de incêndio. Um ambiente fechado, escuro, sem saída, era previsível o risco de ocorrer alguma morte, algum resultado danoso à vida humana”, disse.

Em mais de uma hora, Schietti leu depoimentos de testemunhas e elementos apresentados no recurso que indicam que a boate estava superlotada, a espuma usada no revestimento era tóxica e a saída estava obstruída. Para ele, é possível inferir que os acusados foram alertados. 

"Estavam cientes de que condições produziram incremento do risco de que uma, duas ou duzentos frequentadores da boate de algum modo poderiam tombar. Bastaria uma morte para que se atribuísse responsabilidade com o dolo eventual", afirmou.

Segundo a votar, o ministro Nefi Cordeiro, presidente da turma, corroborou integralmente os argumentos do relator. "Caberá aos jurados decidirem se houve dolo eventual. Mas existem indícios suficientes para permitir exame pelo colegiado popular", afirmou.

O ministro Antonio Saldanha Palheiro formou maioria ao também acompanhar o voto de Schietti. Para ele, o que mais chamou atenção na análise dos autos foi o cantor da banda, com um microfone, não ter avisado o público sobre o início do fogo e também o bloqueio da saída por seguranças que cobravam o pagamento da comanda, impedindo os jovens de escapar.

Última a proferir o voto, a ministra Laurita Vaz afirmou que é responsabilidade do júri garantir um desfecho para o processo. “É uma tragédia de terríveis consequências, que causou muita dor. É um caso que aguarda uma resposta firme do Poder Judiciário e sobretudo a meu ver do tribunal popular”, afirmou.

O quinto ministro da sexta turma, Sebastião Reis Júnior, não participou do julgamento.

A decisão do STJ também excluiu os dois qualificadores do crime —motivo torpe e meio cruel— ao decidir que os réus responderão por homicídio com dolo eventual. A pena é de 6 a 20 anos.

Após o resultado, o processo volta para o juízo de primeira instância, em Santa Maria, que deve marcar a data do tribunal do júri. A defesa dos réus ainda pode recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Para Paulo Carvalho, pai de Rafael, que morreu no incêndio aos 32 anos, "a palavra é alívio".

"Após várias tentativas de postergar as decisões para que os crimes prescrevessem, a gente já começa a achar que não vai dar em nada", disse ele, que acompanhou o julgamento em Brasília. "Nesses anos morreram seis pais, de depressão, suicídio. Nós só queremos justiça."

Os advogados da associação das vítimas da tragédia, Ricardo Breier e Pedro Barcelos, dizem acreditar na condenação dos quatro acusados. "Todas as condições internas da boate junto à superlotação levaram à falta de condições mínimas de segurança. Os elementos vão comprovar para o júri que houve homicídio culposo", afirmou Breier.

“A tragédia abalou Santa Maria e abala até hoje. Então, nada melhor que Santa Maria para julgar se os acusados são culpados ou inocentes e dar respostas para os pais e mães que esperam há seis anos e meio”, disse Barcelos.

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