Boulos vê 'química explosiva' no aumento da população de rua em São Paulo

Líder sem-teto e ex-candidato à Presidência prevê que sem ações emergenciais e investimentos haverá aumento de 'ocupações'

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São Paulo

Ex-candidato à Presidência (PSOL) e líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), Guiherme Boulos vê o aumento da população de rua em São Paulo como resultado de uma “química explosiva” que reúne problemas econômicos e descontinuidade de políticas públicas.

Sem ações emergenciais e investimentos de longo prazo, ele prevê possível aumento de "ocupações". “Não é uma questão da vontade dos movimentos sociais’, diz, mas consequência da situação.

Convidado pela deputada Luiza Erundina a lançar-se como candidato à prefeitura no ano que vem, Boulos diz que a situação em São Paulo ainda está indefinida. Ele avalia que a esquerda precisa sair das cordas”, mas vê o bolsonarismo se esvaziando e com chances de chegar às eleições municipais como cobra sem veneno, “só assusta quem não conhece”.

Guilherme Boulos durante coletiva de imprensa ainda como candidato à Presidência 05-10-2018 - Eduardo Anizelli/ Folhapress

Em São Paulo, com base em abordagens de assistentes sociais, verificou-se um aumento de 88% na população de rua de 2015 para 2018. Seriam 105 mil pessoas hoje nessas condições. Como você vê esse fenômeno?

O aumento é produto de uma química explosiva. É o encontro do desemprego, da falta de investimento público e da recessão com o esvaziamento das políticas habitacionais. Nós temos, em São Paulo, um déficit habitacional de 360 mil famílias, na estimativa mais recente, o que dá 1,2 milhão de pessoas.

Sem falar no número de famílias que vivem em situação precária, que são mais de 850 mil. Nós estamos falando de mais 3 milhões de pessoas. Na prática, um terço da população de São Paulo está afetada direta ou indiretamente pelo problema de moradia.

Sobre o corte dos investimentos, basta dizer que no ano passado na faixa 1, para os mais pobres, do Minha Casa Minha Vida, o maior programa habitacional do país, investiu-se só 10% do valor de 2013.

O resultado são famílias inteiras indo para as ruas. E isso seguramente vai significar um aumento de ocupações. Não é uma questão da vontade dos movimentos sociais.

O que o poder público pode fazer para enfrentar o problema?

Primeiro, temos a situação emergencial. Nesse inverno já morreram várias pessoas de frio por estarem na rua. A política de abrigos é vergonhosa. A pessoa é separada da família, não pode levar o cachorro e não tem onde deixar a carroça, que é o instrumento de trabalho para reciclagem.

O abrigo não é uma opção viável para a maioria. É preciso ter uma combinação de atendimento emergencial com bolsa-aluguel e uma política habitacional com vistas a um atendimento mais definitivo.

Mas isso passa também por políticas de geração de emprego e renda para essas pessoas. Só política assistencial de moradia não resolve. A pessoa vai passar fome dentro da casa alugada ou do conjunto habitacional.

O movimento dos sem teto é visto por muitos como um ataque violento contra propriedades e tem sido alvo de algumas denúncias de irregularidades. Como separar o joio do trigo?

Pela Constituição a propriedade tem que cumprir uma função social. Uma propriedade que está ociosa, que só sirva para especulação, que está abandonada há décadas, que não paga imposto ao poder público, essa propriedade está em situação ilegal.

O movimento social não ocupa a casa de ninguém. O movimento identifica esses lugares improdutivos e organiza uma ocupação com pessoas que necessitam, para reivindicar que aquele imóvel seja destinado para moradia popular.

Mas não tem gente se aproveitando dos movimentos para fazer esquemas?

Assim como existe parlamentar que se aproveita da função pública para roubar, tem gente que cobra um aluguel, que extorque e usa da sua posição para fazer o contrário do que prega o movimento social. Essas pessoas têm que responder por isso. Ponto.

O que não pode é pegar uma exceção e dizer que todos são assim. É o que eles estão fazendo com a Preta Ferreira e outras lideranças da Ocupação Nove de Julho que estão presas há mais de um mês. Não são do MTST, mas eu as conheço como pessoas sérias.

O que foi feito no caso delas, até onde eu percebo, é uma extensão absurdamente indevida daquele caso do Largo do Paissandu, em que houve um incêndio e um desabamento em 2018. Ali parece que tinha indícios fortes de coisa errada. Agora, você pegar aquela coisa errada e dizer: 'Na Nove de Julho também tem...' é um abuso. Direito criminal não se faz por atacado. Senão eu vou dizer que porque o Sérgio Moro manipula a prova e faz conluio com a acusação, nenhum juiz presta no Brasil.

Estamos com sete meses de governo Jair Bolsonaro e já se vê alguma movimentação com vistas às próximas eleições municipais (2020) e mesmo presidenciais (2022). Como você se coloca nesse cenário?

Quem, sete meses depois de uma eleição presidencial, já está tarado pela próxima para mim não merece confiança. É um sinal forte de quem está mais comprometido com os seus interesses pessoais e carreiristas do que com qualquer princípio e projeto coletivo de sociedade. 

as eu tendo a acreditar que 2020 não vai ser como 2018. A eleição de 2018 foi muito marcada pelo ódio, foi uma eleição em que a onda bolsonarista teve força. Elegeu o presidente da República, elegeu governadores do Estado, elegeu parte do Congresso.

Essa turma se apresentou como a renovação da política que ia 'mudar o que tá aí'. É um erro ter a ideia de que o Bolsonaro está na lona, mas eles não vão chegar com a moral alta. Em 2020 o PSL já vai ser a famosa cobra sem veneno: só se assusta quem não conhece. O que era o Sérgio Moro no ano passado e o que é hoje? O que era o Bolsonaro sete meses atrás e o que é hoje? 

Como vê o cenário paulistano? Vai concorrer?

A Luiza Erundina, por quem tenho grande carinho, me procurou pedindo para que fosse candidato a prefeito, mas disse a ela que agora meu foco está em plano nacional. O cenário ainda está muito indefinido.

A Joice Hasselmann se autoproclamou candidata do PSL, mas parece que nem o partido decidiu ainda. Ela vem do esgoto do bolsonarismo, é uma notória falsária, foi condenada por plagiar 65 reportagens. É conhecida pela 'fake news' da fraude nas urnas.

Neste momento estou focado em fortalecer a oposição a Bolsonaro. No primeiro semestre organizamos uma caravana, fui a 15 estados, nas universidades, nas periferias, ajudando a construir mobilização. A esquerda precisa sair das cordas.

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