Monotrilho acumula trapalhadas e vira herança maldita para Doria

Nos últimos meses, linha 15-prata teve de batida a queda de muro; Metrô garante segurança

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São Paulo

Atrasada e com modelo inédito bancado por gestões tucanas, a linha 15-prata do metrô acumula problemas que vão de batida de trens a desabamento de um muro. 

O primeiro trecho da linha foi aberto em 2014, mas até o fim do ano passado o monotrilho ainda estava oficialmente em fase de testes. As trapalhadas, que começaram ainda antes da inauguração, vêm se intensificando nos últimos meses e se tornando uma herança maldita deixada por Geraldo Alckmin (PSDB) para o governador João Doria (PSDB). 

Para especialistas, a situação é reflexo da adoção de monotrilho em proporção não testado no mundo, no qual o metrô paulistano terá de aprender por meio dos próprios erros.

O monotrilho —espécie de trem com rodas, sobre um estrutura elevada —foi apresentado como uma solução rápida e barata para ligar a Vila Prudente à Cidade Tiradentes, mas virou uma obra demorada e cara. 

A promessa do monotrilho vem de 2009, ainda com o então governador José Serra (PSDB). Parte das estações tiveram problemas na fase de obras e foram inauguradas às pressas pelo ex-governador Alckmin, antes das eleições onde concorreria à Presidência. 

Na última semana, o muro de uma das últimas estações entregues, a Camilo Haddad, na região do Parque São Lucas (zona leste de SP), desabou sobre a escada que dá acesso à plataforma. 

“Fizeram isso aí de qualquer jeito, sem viga, sem nada, apenas areia”, disse o vigia José Benedito dos Santos, 63, morador da casa ao lado do muro que desabou, que ficou cheia de rachaduras. “Poderia ter matado alguém. As pessoas costumam ficar sentadas nessa escadaria.”

O incidente foi o quarto relevante neste ano relacionado à linha. Os problemas começaram em janeiro, quando um equipamento chamado terceiro trilho, que fornece energia aos trens, se soltou e ficou pendurado a 15 metros do solo. A circulação foi interrompida.

Um dia depois, um incidente ainda mais grave: dois trens bateram. Como os vagões estavam vazios, ninguém se feriu. 

Em maio, houve o caso de um pneu e uma composição do monotrilho que se deslocou da viga de rolamento durante uma manobra. 

De acordo com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação pelo jornal Agora, do grupo Folha, no primeiro bimestre do ano a 15-prata era linha com mais falhas notáveis, com 38% do total da rede. 

Passageiros que chegam ao monotrilho vindos da linha 2-Verde relatam queda no padrão. Saem de um trem lotado, porém veloz, e entram numa composição trepidante e demorada. 

O porteiro Ricardo Francisco da Silva, 38, afirma que os trens passaram a ter maior tempo de intervalo após os incidentes deste ano. “É muito lerdo. De noite, depois das 22h, às vezes esperamos bem mais de dez minutos por um trem”, diz ele.

Em 2018, o intervalo médio entre trens nos dias úteis foi de quatro minutos nos horários de pico e de seis nos demais. Na linha 3-Vermelha, por exemplo, a média é de cerca de dois minutos em ambos os períodos. 

Silva relata ainda que mais de uma vez foi surpreendido com a interrupção da linha para testes. “Nesses dias, colocam o Paese [ônibus que faz o mesmo trajeto] e eu chego atrasado na certa.” 

A fase de testes do monotrilho oficialmente acabou, mas o metrô ainda trata a linha com cuidado. Apesar de o sistema funcionar sem maquinistas, em geral um funcionário permanece no primeiro vagão, a postos para algum imprevisto. 

“A linha 15 é uma experiência, inaugurada sem que todos equipamentos estivessem testados”, afirma o coordenador geral do Sindicato dos Metroviários, Wagner Fajardo. “O sistema de sinalização, por exemplo, que levou aquele choque entre trens, ainda está em implantação”.

Atualmente, apenas seis estações estão em funcionamento, entre Vila Prudente e Vila União. A gestão Doria, que retomou obras paradas em 2018, promete mais quatro estações para este ano e uma última, Jardim Colonial, para 2021. 

O custo do trecho —de 15,3 km e 11 estações —é de R$ 5,2 bilhões. 

Em 2013, o governo estadual prometeu gastar R$ 5,4 bilhões (R$ 7,4 em valores atualizados) para fazer os 26,6 km da linha, até Cidade Tiradentes. O prazo previsto no edital para a entrega de toda a linha venceu há quatro anos. 

“É uma operação muito ambiciosa fazer um monotrilho trabalhar igual uma linha de metrô. Não temos precedentes no mundo”, afirma o consultor Marcus Quintella, coordenador da FGV Transportes, que desenvolveu um estudo sobre monotrilhos. “Em nenhum lugar monotrilho tem um intervalo de 90 segundos, 180 segundos, querem aqui.”

O consultor cita que o maior monotrilho do mundo, em Tóquio, transporta 180 mil pessoas por dia. A demanda prevista para o monotrilho até o Jardim Colonial é de 405 mil.

Quintella afirma que, devido uma série de limitações, mais das metade dos monotrilhos do mundo foi desativada. Entre os motivos apontados está o fato de o meio de transporte, que não é de alta capacidade, acabar tento um custo muito alto e exigir subsídios governamentais.  

“É um modo que hoje se mantém em cidades da Ásia muito mais como ligações para aeroportos, parques de diversões, ligações industriais, do que propriamente para transporte de massa”, diz.

A gestão João Doria dá sinais de que riscou dos planos o modelo monotrilho. O governador anunciou que desistiu do projeto de construir um monotrilho até a região do ABC, que será substituído por um BRT (sistema de transporte com ônibus rápidos).

O secretário de Transportes, Alexandre Baldy, usou as obras paradas de outro monotrilho, o da linha 17-ouro, como contraexemplo do que gostaria que acontecesse em São Paulo. Prometida para a Copa do Mundo de 2014, a linha é um dos maiores fracassos da gestão Alckmin. 

OUTRO LADO

O Metrô afirma que o monotrilho da linha 15-prata é um “meio de transporte seguro, moderno, tecnológico e pioneiro em São Paulo”. 

“O projeto conta com todos os certificados de segurança exigidos pela legislação vigente no Brasil e internacionalmente”, afirma a nota.

De acordo com a empresa, a recente queda de um muro divisório não estrutural “não toca, de forma alguma, a segurança da Linha 15”.

Relatório interno do Metrô constatou falha humana no caso da batida entre trens, em janeiro. O documento afirma que uma ação de funcionário tornou invisível uma das composições ao sistema, causando a batida. 

Já os metroviários afirmam que o monotrilho não tem um segundo sistema que conseguiria captar essa falha e corrigir o problema. 

Sobre o aumento de falhas, o Metrô afirmou anteriormente que “era esperado e se deveu à implantação de quatro novas estações na linha 15-prata e a implementação desta em período integral”. ​

CRONOLOGIA DE FALHAS

28 de junho - Um muro que divide a estação Camilo Haddad, do monotrilho, de casas vizinhas, desabou em área de pedestres.

16 de maio - Pneu de uma composição do monotrilho se deslocou da viga de rolamento durante uma manobra. 

29 de janeiro - Dois trens se chocaram na estação Jardim Planalto.

28 de janeiro - Um equipamento se soltou, ficou pendurado a 15 metros de altura do solo e interrompeu a circulação de trens entre as estações São Lucas e Vila União. 

2018 - Empresa contratada para fazer o acabamento e a instalação hidráulica de quatro estações abandonou obras e trabalhos ficam paralisados. 

2015 - Governo decide congelar plano para a construção do monotrilho até a Cidade Tiradentes. Com isso, seis estações previstas inicialmente não tem mais previsão de entrega  

2014 - Uma falha no projeto do monotrilho causou paralisação da obra, uma vez que engenheiros "descobriram" galerias de águas de um córrego embaixo da av. Professor Luiz Ignácio de Anhaia Mello. Isso obrigou o governo a fazer um novo projeto e mudar o córrego de lugar.

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