Descrição de chapéu Obituário Carlos Eugênio Sarmento da Paz (1950 - 2019)

Mortes: Controverso último líder da ALN, foi um livro aberto sobre os anos de chumbo

Líder guerrilheiro aos 17 anos, viveu luta armada, tentativas de prisão e um exílio político

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Caroline Amaral ‎Coutinho
São Paulo

Carlos Eugênio Sarmento da Paz, que morreu neste sábado (29), não foi um revolucionário comum por dois motivos: primeiro, porque foi um dos poucos que falou abertamente sobre seus anos de luta armada contra a ditadura militar, desde sua adesão à Ação Libertadora Nacional (ALN), seus assaltos a bancos e mandatos de assassinatos, até seu exílio em Cuba; segundo, porque ele sobreviveu para contar.

Carlos Eugênio Paz,  ex-guerrilheiro da ALN (Ação Libertadora Nacional) envolvido no justiçamento de Márcio Leite de Toledo
Carlos Eugênio Paz, ex-guerrilheiro da ALN (Ação Libertadora Nacional) envolvido no justiçamento de Márcio Leite de Toledo - 5.mai.12/Folhapress

Nascido em Maceió, em 1950, Eugênio conheceu Carlos Marighela, idealizador do movimento revolucionário, aos 15 anos, e se uniu a sua organização no ano seguinte. Sua primeira tarefa foi de se infiltrar no Exército para receber treinamento militar e contra-guerrilha.

Em seguida, o comandante Clemente, como era conhecido, participou do assassinato de um capitão de exército descoberto infiltrado na guerrilha e da execução do militante da ALN, Márcio Leite de Toledo, por desconfiança que este contasse os segredos da guerrilha. Também foi Eugênio quem disparou e matou Henning Boilesen, executivo dinamarquês que financiava as ações do DOI-CODI, órgão do Exército de repressão contra dissidentes. 

Como líder da guerrilha aos 17 anos, chegou até a recrutar sua mãe, Maria da Conceição Coelho Paz, como enfermeira das operações. Um ano após sua fuga para Havana, em 1973, ela foi presa e torturada, sem revelar onde estava seu filho. 

Longe do país, o comandante teve treinamento militar, mas recusou auxílio cubano na atuação guerrilheira brasileira, que já estava uma fase de desmantelamento. Depois, viveu na França até 1981, onde estudou e compôs jazz. 

Quando voltou ao Brasil, Eugênio trocou as armas pelas palavras. Começou a falar publicamente sobre sua atuação como guerrilheiro em diversas palestras e entrevistas, como também em suas obras publicadas em 1996 e 1997, ‘Viagem à Luta Armada’ e ‘Nas Trilhas da ALN’. Com sua característica voz rouca e barba farta, era conhecido pelas pessoas próximas como um contador de histórias. 

“Ele é um personagem extraordinário, por ter uma capacidade de revelação que não encontrei em nenhum outro militante desse período. Ele coloca claramente como eram os bastidores da luta armada,” afirmou Isa Albuquerque, diretora do documentário “Codinome Clemente”, previsto para estrear neste ano.

Ele tampouco escondia que teve uma sorte de “cagão” por sobreviver sua juventude. Nunca foi preso, mas até hoje carrega a imagem de terrorista por militares e ex-membros do DOI-CODI, que questionaram sua anistia em 1982. O ainda deputado federal Jair Bolsonaro postou no Facebook, em 2015, uma lista expondo vários delitos cometidos pelo guerrilheiro, com a afirmação “Este "herói" da democracia foi indenizado e recebe proventos de 3º Sargento. A guerra ideológica de 1964 ainda não acabou.”

Apesar da vida cercada de controvérsias, Eugênio sempre foi claro que nunca se arrependeu. Como ele mesmo admitia em palestras durante os anos 90: “Tenho profundo orgulho do que fiz. E faria de novo, tentando ser mais competente. Lutei pelo meu país.”

Carlos Eugênio Sarmento da Paz morreu neste sábado (29), em Ribeirão Preto (SP), aos 69 anos. A notícia foi dada pela sua esposa, a historiadora Maria Claudia Badan Ribeiro, que afirmou que ele teve uma parada respiratória. 


coluna.obituario@grupofolha.com.br

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