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Mulheres de Belo Horizonte recuperam autoestima em grupo de teatro

Em comunidade pobre, coletivo O Teatro Entre Elas usa vivências de integrantes em suas peças

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Belo Horizonte

Adeguimar Alves tinha 22 anos, em 1982, quando deixou a casa dos pais em Alpercata (MG) e se mudou para Belo Horizonte, recém-casada. Aos 40, ela foi diagnosticada com um meningioma (um tumor geralmente benigno em uma das membranas que envolve o cérebro) e precisou passar por cinco cirurgias. 

Em 2009, o tumor voltou a crescer, e ela precisou operar novamente. “E foi aí que tudo desabou”, diz. Depois da nova cirurgia, ela perdeu o equilíbrio, ficou com sequelas na visão e ainda sente os membros dormentes. Por quatro meses, não conseguia nem se levantar. Na fisioterapia, indicaram que começasse uma terapia  ocupacional. 

“Eu tinha 49 anos e não me sentia idosa para viver aquela vida de idosa. A depressão aumentou. Arrumaram uma equipe para trabalhar com a gente, e quando eu cheguei para fazer essa terapia, quem estava lá? O Nil”, lembra. 

​Nil é o dramaturgo Nil César, 44, que havia começado uma oficina de jogos teatrais em um centro de assistência social do Morro do Papagaio, em 2011. O aglomerado, que faz limite com bairros nobres da capital mineira, teve salto de ocupação entre os anos 1960 e 1970, alavancado pelo êxodo rural. 

Com o trabalho, Nil incentivava as mulheres a compartilharem seus problemas e suas histórias de vida, usando exercícios e técnicas do teatro do oprimido de Augusto Boal.

“Problema de emprego, com marido, com filho envolvido no tráfico, violência policial, violência doméstica, doença, depressão. Nessa roda de conversa, a gente escolhia um dos problemas, a dona do problema via as colegas improvisando a cena”, diz Nil. 

As cenas improvisadas logo receberam um convite para dez apresentações em casas de idosos. Em 2014, elas viraram uma peça,  “Quando eu vim para um belo horizonte,”—e as mulheres do morro já eram o coletivo O Teatro Entre Elas. 

Dois anos depois, elas mesmas sugeriram outra peça falando suas experiências como mães, “Mãe, Raiz do Morro”. Neste ano, com novas integrantes, criaram a segunda versão da primeira com um novo texto.

Os encontros e ensaios do grupo hoje acontecem na Casa do Beco, aos pés do morro, gerida por Nil, que hospeda outros grupos. O coletivo tem agora 15 mulheres com idades entre 40 e 82 anos.

Adeguimar chegou ao grupo em uma cadeira de rodas e precisava de apoio para ficar em pé. Com as brincadeiras da oficina, começou a movimentar o corpo aos poucos. Mudou o ânimo. Começou a fazer amigas como nunca tivera. 

“Arrumei amigas do tempo todo. A gente conversa dos problemas do dia a dia, das dificuldades que a gente tem de criar filhos. A gente mora em uma favela, então, a coisa não é fácil”, diz ela. 

No grupo, ela encontrou Maurina Eugênia da Silva, 58, uma prima distante a quem não conhecia. As duas costumam ir e voltar juntas no ônibus que passa por dentro do morro. “Lina”, que estava com depressão, começou a participar a convite de Nil. 

“Eu jamais esperaria ter uma cabeça que guardasse tanta coisa  boa como agora”, afirma ela. 

O grupo também a ajudou em um momento difícil. Há dois anos, a mãe de Maurina estava a caminho da padaria quando morreu com um tiro de bala perdida em frente à uma igreja no morro. 

Os filhos e o marido falaram que ela deveria seguir com o teatro,  “para não pensar em bobagem”. “A alegria maior da minha vida é o dia em que tenho que vir para cá”, diz Maurina. 

Maria das Graças Pereira, 61, foi uma das últimas a entrar  para o grupo, em 2018. Faltando um ano para se aposentar, ela ficou desempregada. Graça chegou a BH aos 9 anos, junto com a mãe. As duas foram morar em uma casa de família: a mãe cozinhava, ela trabalhava de babá. 

Ela é uma das poucas atrizes que não vive no Morro do Papagaio.  Mas toda semana embarca em um ônibus por uma hora, atravessando a cidade, desde o Alto Vera Cruz, para participar dos ensaios. “Não falto de jeito nenhum. Se não tem passagem, minhas meninas  me dão. A gente ri, a gente brinca, a gente faz tudo aqui. Vou para casa rejuvenescida”, diz.

Para a dramaturga e diretora Liliane da Silva Alves, 44, que começou a trabalhar com o grupo pela cantoterapia, o teatro onde contam suas próprias histórias faz com que encontrem um lugar onde são "vistas, reconhecidas".

"Como, na maioria das vezes, elas foram donas de casa, empregadas domésticas, nunca imaginaram que poderiam sair desse ambiente reservado do lar. Quando elas vão para esse espaço do teatro, reconhecem uma nova identidade, valores que nem os próprios familiares viam nelas”, avalia.

No caso de Maria do Carmo Fernandes Lima, 64, foi assim que ela descobriu um outro lado de si mesma. Do Carmo estudou até a segunda série, diz que lê tudo, mas não sabe escrever. 

“O que impediu muita coisa na minha vida foi o estudo, porque eu larguei. Hoje eu sinto como se eu fosse formada, uma atriz profissional”, diz ela. “Só vou parar quando eu morrer. Enquanto tiver esse grupo todo…Não. Eu adoro teatro”. 

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