Polícia investiga falso terapeuta por abuso sexual em consulta

Duas clientes acusam Nelson Lemoine, popular nas redes, de agressão; massagista não tem diploma nem registro que alegou ter

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São Paulo

A Polícia Civil de São Paulo investiga denúncia de que um massagista popular em redes sociais teria abusado sexualmente de ao menos duas pacientes durante consultas. O caso é apurado pela 3ª DDM (Delegacia de Defesa da Mulher), no Butantã. 

O inquérito foi instaurado na última semana, e uma suposta vítima e uma testemunha prestaram depoimento nesta segunda-feira (22). 

Nelson Lemoine, 28, acumula 20,7 mil seguidores no Instagram e cita em redes sociais formação em instituições que afirmam não ter emitido certificação para ele. 

Na página do Instagram, compartilha selfies, fotos de antes e depois de pacientes e registros com influenciadores digitais e artistas em todo o país. Apresenta-se como criador de uma técnica intitulada “body alignment” (alinhamento corporal) e promete aliviar dores, tensões musculares e tornar a postura ereta e natural.

Em São Paulo, Lemoine atende na Clinique de L’avenir, no Morumbi, zona oeste. 

Foi uma atriz que, conforme mensagens às quais a Folha teve acesso, alertou os então sócios de Lemoine de condutas inadequadas do massagista, em abril deste ano. Ela escreveu na ocasião que não se sentiu à vontade durante a consulta e que ele se mostrou “machista e sem noção”. 

Além disso, relatou que, após compartilhar uma foto com Lemoine em uma rede social, foi alertada por fãs de que o homem tinha histórico de agressão contra mulheres. 

Contatada ao longo de dias pela reportagem, a empresária da atriz não quis se pronunciar a respeito do episódio. Ela não contestou a autenticidade das mensagens.

Nelson Lemoine, suspeito de ter abusado de pacientes
Nelson Lemoine, suspeito de ter abusado de pacientes - Reprodução

Segundo a Polícia Civil de São Paulo, além do boletim feito nesta segunda pela vítima que depôs, há contra Lemoine dois BOs por injúria real, violência doméstica e lesão corporal, registrados em 2010 e 2015. 

O massagista não foi indiciado. No primeiro caso, não houve representação criminal da vítima; no segundo, a denunciante não realizou exame de corpo de delito, necessário para concluir o inquérito. 

Em Santa Catarina, há ao menos um boletim de ocorrência contra Lemoine, por tentativa de estupro e lesão corporal, registrado em março. A Polícia Civil de Santa Catarina não respondeu sobre o andamento da investigação. 

Os três ex-sócios de Lemoine, todos fisioterapeutas registrados no Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, romperam com ele em maio, após os alertas de clientes e a constatação de que Lemoine não tinha as certificações que afirmara ter. Os três abriram, juntos, uma nova clínica e pediram para ter o nome omitido temendo que o caso afetasse o novo negócio. 

Um dos ex-sócios do massagista, um fisioterapeuta de 28 anos que alega ter ajudado a criar o método de alinhamento postural que Lemoine usa, afirma que já ouvira reclamações de pacientes sobre o colega. Os dois se conheceram por meio de um amigo comum e se associaram em 2017. 

“[Clientes] pediam para ser atendidas por outro profissional porque o tratamento não havia sido adequado”, disse à Folha. Mas, segundo ele, as clientes não entravam em detalhes dos motivos. Algumas chegaram a pedir reembolso da sessão, no valor de R$ 215. 

A sessão de alinhamento postural dura cerca de uma hora. Deitado em uma maca, o paciente tem os ossos do quadril e o sacro, próximo ao cóccix, manipulados, primeiro com a barriga para cima, depois para baixo —as nádegas não são tocadas. Há ainda alongamento e exercícios. 

Uma esteticista de 31 anos, que pediu para ter o nome omitido, disse à Folha que sofreu abuso durante sessão em abril. Ela já se consultara com outros terapeutas da clínica. 

“Sei que algumas manobras da massagem pegam no bumbum. Com o Nelson, a mão escorregava demais”, afirmou a mulher. Segundo ela, Lemoine passou a mão entre as suas coxas e tocou sua vulva. 

​Depois, afirma, ele pegou seu cabelo e disse que era cheiroso. A mulher diz ter ficado atônita, sem reação. Mais tarde, procurou os então sócios da clínica para relatar o ocorrido na consulta. 

“Falei que não queria mais me consultar com ele. Foi bem constrangedor”, diz ela, que o seguia em redes sociais antes de conhecê-lo. “Quero que ele seja investigado. Imagina se algo mais grave acontece?”

​A mulher está sendo acompanhada pelos advogados Isabella Commans e Vinicius Cascone, da Cascone Advogados, que buscam outras supostas vítimas de Lemoine. 

Nelson Lemoine
Nelson Lemoine - Reprodução

Uma segunda mulher, que também pede para não ser identificada, se consultou com Lemoine há cerca de dois anos. Ela tem 30 anos e afirma que, enquanto estava de olhos fechados na maca, ele a beijou sem consentimento. 

“Falei: tá louco, Nelson? Ele riu e disse que não resistiu”, diz. “Foi uma sensação horrorosa. Você está na sala para se tratar. Levei um susto.”

Os dois haviam se conhecido em um site de classificados. Trocaram contatos e Lemoine a convidou para conhecer a clínica recém-inaugurada. Na época, ela não comunicou o episódio aos demais donos da clínica. “Achei que fosse bobeira, que ele havia confundido as coisas”, diz. 

Os ex-sócios alegam que, após Lemoine deixar a clínica, outras clientes fizeram relatos que vão de convites para sair a toques indesejados. “É um cara bonito, fala bem. É diferente de uma situação envolvendo um homem mais velho, que gera desconfiança”, diz uma ex-sócia. 

A Polícia Civil investiga o massagista por violação sexual mediante fraude. 

“Existe um protocolo a ser seguido na sessão de fisioterapia e ele abusaria disso, praticando atos libidinosos”, diz a delegada Mônica Gamboa, titular da 3ª DDM. “Pelas provas que temos, é evidente que ele tem fortes traços de uma pessoa manipuladora e egocêntrica, que gosta de popularidade e de se vitimizar.”

As investigações estão no início, e a delegacia afirma ter contatado outras possíveis testemunhas e vítimas. Como Lemoine atende em vários lugares, Gamboa procura casos em outros estados. 

“É importante que as vítimas tenham consciência do trabalho da polícia e façam a denúncia. Existe medo. Isso colabora para a subnotificação”, diz ela. “O importante é tentar cessar a conduta abusiva dele, de explorar a vulnerabilidade das mulheres. E apurar o que aconteceu.”

A delegada afirma que em casos que envolvem uma pessoa articulada, com visibilidade e poder de sedução, é comum a vítima demorar a se perceber alvo de abuso

Lemoine também é acusado pelos ex-sócios de mentir sobre sua formação. Ele chegou a compartilhar em uma rede social uma entrevista para a televisão em que era creditado como quiropraxista. 

Questionado pelos então sócios, apresentou certificado de um curso online de 40 horas, segundo eles, e mandou a descrição de um curso de fisiologia geral, com carga de 80 horas, na mesma plataforma online —mas o certificado não havia sido liberado. 

Após o episódio, um dos ex-sócios registrou boletim de ocorrência por exercício ilegal da profissão. A quiropraxia exige diploma de curso específico de formação superior de pelo menos quatro anos.

O fisioterapeuta alega que não pedira os diplomas do massagista antes de se associar a ele porque confiou no amigo em comum que os apresentou e nas informações que afirma que Lemoine apresenta na plataforma LinkedIn. 

Seu perfil na rede profissional o apresenta como “diretor comercial e especialista em coluna vertebral” e “terapeuta-chefe” com formação na Universidade Paulista (Unip) e pela Universidade Anhembi Morumbi. 

Na biografia que consta no site de sua Clinique de L’avenir, Lemoine escreve que “se aprofundou em diversas terapias manuais”, “estudou cinesiologia e biomecânica” (estudo da movimentação do corpo) e “pesquisou e conheceu outras técnicas” para quadril. 

A Unip afirma que Lemoine cursou um semestre em 2015 e abandonou o curso. Já a Anhembi Morumbi diz que ele não foi aluno da instituição. 

Biografia de Nelson Lemoine no site de sua clínica, onde consta um CRT que não existe
Biografia de Nelson Lemoine no site de sua clínica, onde consta um CRT que não existe - Reprodução

O registro que aparece abaixo da sua foto é do CRT (Conselho de Regulamentação da Terapia Holística), mas o conselho diz que o credenciamento, solicitado em junho, está suspenso porque Lemoine não apresentou os documentos necessários e que atividades relacionadas à fisioterapia não integram o rol de técnicas acatadas na organização. 

Lemoine conta outras histórias na biografia publicada em seu site profissional. Diz que foi abandonado pelo pai, que descreve como um sujeito impulsivo e agressivo, aos 11 anos, que atuou em cinco países (os quais não nomeia) e que realizou trabalhos sociais em ONGs, sem citar quais.

Massagista diz que ruptura societária o deixou com dívida

A Polícia Civil confirma que foi instaurado inquérito no 89° DP (Jardim Taboão) para apurar a denúncia de exercício ilegal da profissão e que o suspeito e a representante da clínica foram ouvidos. 

O massagista menciona a separação na página da sua clínica. Diz que quase decretou falência em 2019 e que sofreu uma “triste ruptura societária” que o deixou “sozinho e com altas dívidas” —ele não cita valor nem origem da dívida. 

O advogado João Marques Jr., que representava Lemoine, deixou o caso na última sexta-feira (19) após o cliente decidir que precisaria de acompanhamento de alguém com atuação na área criminal —Marques Jr. é da área cível. 

Na manhã da última quarta (17), o site da Clinique de L’Avenir foi retirado do ar. Após a publicação da reportagem, nesta terça (23), Lemoine apagou a sua conta em uma rede social. 

A Folha entrou em contato com Lemoine, que não respondeu. 

Na tarde desta terça (23), o advogado Dalvo Bemfeito assumiu o caso. Em nota, afirmou que, por ora, não irá "emitir qualquer juízo de valor" e que "tudo será esclarecido no devido tempo". 

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