Quem passar pelas históricas margens plácidas do córrego do Ipiranga na zona sul de São Paulo em 2019 tem como paisagem um rio fétido, de cor cinza opaca e alta carga de esgoto —semelhante a dos rios Pinheiros e Tietê.
Mas a Sabesp, vinculada ao governo do Estado de São Paulo, promete que até 2022, o córrego deverá ter outra cara: limpo, sem cheiro e com a possibilidade de presença de peixes e plantas aquáticas. A data da promessa foi fixada para que um novo córrego do Ipiranga seja entregue a tempo das comemorações dos 200 anos da Independência do Brasil. Na mesma época, o governo do Estado promete também entregar o restauro do Museu Paulista, mais conhecido como Museu do Ipiranga, às margens do córrego.
Para cumprir a meta, a Sabesp terá que acelerar rumo à universalização do saneamento em São Paulo. Hoje, São Paulo São Paulo ainda deixa de coletar 13% de seu esgoto e de tratar 39% de todo o material gerado. Esse residual vai para os rios e represas da Grande São Paulo.
Entre eles, está o Ipiranga, onde falta terminar de conectar os últimos 2% de imóveis que estão em sua área de influência (que inclui o córrego principal e todos os seus pequenos afluentes que também estão poluídos).
A tarefa no Ipiranga não é simples principalmente porque, grande parte da área onde ainda há trabalho a ser feito, é preciso lidar com a ocupação irregular, moradias construídas sobre córregos ou rios que estão espremidos entre casas. Na prática, são os 2% mais difíceis de todo o projeto.
Um dos casos mais icônicos é o córrego Cacareco, que desemboca no Ipiranga na altura do viaduto Ministro Aleomar Baleeiro, próximo ao Parque do Estado, e contribui para a sua poluição.
O Cacareco deságua no Ipiranga após percorrer pouco menos de 2 km, recebendo o esgoto de 2.260 imóveis. Para revitaliza-lo, grande parte dessas casas, que são de alvenaria e estão ali há anos, teria de ser retirada. A ação exigiria uma política de remoção e de reassentamento da prefeitura, dificultando o projeto.
O que deve ser feito, porém, é a criação de um cano subterrâneo que consiga receber o esgoto de 70% da área —os outros 30% da bacia do córrego Cacareco permanecerão fora de alcance e continuarão chegando ao Ipiranga.
O trajeto desta tubulação tem que ser estudado com cuidado. Justamente por ser área com ocupação irregular, cada metro de terreno por onde o futuro encanamento vai passar tem que ter sua titularidade checada pela Prefeitura de São Paulo. O subterrâneo de ruas é um caminho fácil. Avançar sob casas é uma tarefa mais difícil.
Quando a obra estiver completa, a Sabesp acredita que com a retirada de 70% do esgoto do Cacareco, já será possível aliviar bastante a condição do Ipiranga.
Em 2018, no encontro dos dois córregos, o índice de DBO (Demanda biológica de oxigênio, que serve como termômetro de poluição de águas) chegava a 135 mg/L de O2, isso é o dobro do verificado pela Sabesp nos rios Pinheiros e Tietê em dias mais secos, quando a poluição é pior.
Neste ano, a média dessa medição ficou em 35 mg/L de O2. A meta é baixar esse índice para 30 mg/L de O2.
Segundo o consultor em hidrologia Carlos Tucci, a meta de 30 mg/L de O2 não é necessariamente uma água de qualidade, mas é um bom parâmetro para águas de uma cidade do tamanho de São Paulo. "Dificilmente rios em uma metrópole como São Paulo tem índices muito mais baixos que esse", analisa.
Conforme o Ipiranga avança pelo bairro, a poluição diminui. Outro ponto de medição da Sabesp fica no cruzamento da avenida Doutor Ricardo Jafet com a rua Dr. Mario Vicente. Ali, em 2018, o córrego esteve metade dos meses dentro da meta. Neste ano, as medições estiveram sempre dentro da meta.
Já no seus últimos metros antes de desaguar no rio Tamanduateí, o Ipiranga passa em frente ao Monumento à Independência. Ali, o índice DBO chegou a ter picos de 65. Neste ano, a pior medição indica a taxa de 20.
A expectativa da Sabesp é de que quando todo o Ipiranga tiver abaixo do índice de 30, além de melhorar a qualidade do seu entorno, passará a levar água mais limpa para o Tamanduateí, onde outras equipes da Sabesp já atuam para tentar diminuir a carga de esgoto.
Por sua vez, o Tamanduateí mais limpo levará águas de melhor qualidade ao Tietê, cuja despoluição é o objetivo final de um projeto que já consumiu U$ 3 bilhões desde 1992.
A lógica, portanto, é limpar o principal rio de São Paulo, a partir dos afluentes de seus afluentes, indo da periferia até o Tietê. Córregos como o Pacaembu (centro), Casa Verde 1 e Casa Verde 2 (zona norte), Dois Irmãos, Verde (ambos na zona leste) e Espanhol (zona oeste) passam por processos semelhantes.
Após a limpeza desses córregos, é preciso ainda garantir que suas encostas não sejam mais uma vez ocupadas irregularmente ou que novos pontos irregulares de descarte de esgoto surjam. A ação exige, portanto, ação conjunta com as prefeituras da região metropolitanas, que cuidam da ocupação do solo.
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